Páginas

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Um Artista no Castelo (Parte 1)


Pessoas Queridas,

Hoje começo a postar um (longo) conto sobre a passagem de Cyprien de Pwilrie pelo Castelo das Águias, pouco tempo após a fundação da Escola de Artes Mágicas. Espero que vocês gostem e joguem uma moeda para o saltimbanco. 
Sem esquecer a do bruxo, é claro. ;) 


-- Pronto, meu amigo! Aí está a cidade que vai fazer você mudar de ideia sobre as Terras Férteis!
Tomas segurava as rédeas com uma das mãos enquanto a outra apontava para o horizonte. Cyprien olhou e viu uma aglomeração de casinhas, uma nesga do Mar Interior a curta distância e, mais afastada, uma montanha sobre a qual se erguiam as torres de um castelo. Tinha muralhas, mas não eram grande coisa -- o que, segundo Tomas, se devia ao fato de as guerras terem ficado num passado longínquo.
-- Já não sofremos cerco, ou mesmo ameaça de invasão, há pelo menos duzentos anos, por isso a cidade cresceu fora das muralhas – explicou. – Mas isso não quer dizer que não haja algum controle. Quem vem pelo mar, sendo estrangeiro, deve se registrar na Casa dos Nautas; os que chegam por terra têm que se apresentar no prédio do Conselho. É coisa simples – garantiu, vendo os olhos do amigo se estreitarem. – Você procura um funcionário, diz quem é e o que veio fazer em Vrindavahn. Podemos ir amanhã cedo, você vai ver como é rápido.
-- Certo – disse Cyprien, com um suspiro. – Se não me arranjarem mais uma pulseira, prometo não reclamar.
Tomas o encarou por um momento e ficou em silêncio. Cyprien afagou o pulso, que ainda conservava traços de tinta azul, e olhou para a frente, onde a cidade se desenhava cada vez mais nítida. Uma curva do caminho, um declive – e de repente se encontravam nela, as rodas da carroça abrindo sulcos na ruazinha de terra. As casas de ambos os lados eram simples, ainda esparsas, entremeadas a pequenas hortas e, algumas vezes, um galinheiro ou cercado com duas ou três cabras.
-- Este é um bairro mais pobre – explicou Tomas. – Alguns trabalham nos campos, em torno da cidade; outros são operários, carregadores, empregados de gente abastada. Os mestres artesãos, como meu tio, vivem melhor, embora, é claro, estejam longe de ser ricos. Você vai ver quando chegarmos lá. Ah, não vejo a hora de abraçar o velhote! E quando ele conhecer Stela e Aryan – aposto que vai precisar se conter para não cair no choro!
Cyprien fez que sim, com um breve sorriso. Claro que o velho iria se emocionar ao rever o sobrinho que fora seu aprendiz, homem feito após uma ausência de vários anos, trazendo junto a esposa e um filhinho adorável. Possivelmente o acolheria também, com gosto, ao menos no início, pois Tomas não deixaria de falar bem do jovem saltimbanco que conhecera em Pwilrie e se tornara o mais leal dos companheiros de jornada. Quanto à cidade, com seus outros habitantes... Isso ele ainda estava por comprovar.
Percorridas duas ou três daquelas ruas de terra, a carroça passou a rodar sobre uma calçada de pedras, mais regulares e polidas pelo uso à medida que progrediam. As casas se tornaram menos espaçadas; logo surgiram os primeiros sobrados, oficinas de couros e selas, a loja modesta de um sapateiro. Stela, que vinha na parte coberta da carroça com Aryan, se aproximou para espiar entre os ombros do marido e do amigo, e foi a primeira a avistar e apontar o que, segundo Tomas, demonstraria que tinham chegado.
-- Um cata-vento! – E era mesmo, plantado sobre as telhas que cobriam uma casinha de tijolos. – É aí que vive o Tio Hector?
-- Isso mesmo. Fizemos juntos... bem, não esse, mas os primeiros cata-ventos, quando eu ainda era menino – disse Tomas, e em sua voz havia uma nota emocionada. – Com as chuvas e tudo mais, ele acaba se estragando, e o trocamos por um novo. Esse de agora ainda está bom, pelo menos está girando... Ah! Espero que meu tio esteja em casa!
Seus olhos cintilavam, úmidos, quando puxou as rédeas. Cyprien saltou primeiro e recebeu Aryan, quente do sono, dos braços de Stela. Tomas ajudou a esposa a descer enquanto contemplava a casa de sua infância: tijolos sólidos, caiados de branco, telhado diagonal, pás coloridas do cata-vento fazendo crer que ali vivia gente de coração alegre. Talvez eu faça algo assim, pensou Cyprien, quando finalmente voltar para casa.
Tomas precisou de mais alguns momentos lidando com suas emoções antes de avançar e bater na porta. Por algum tempo não houve resposta, e já ia pegar a aldrava de novo quando alguém se fez ouvir lá dentro.
-- Quem é? – A voz de um homem de idade, um pouco rouca, mas não alquebrada.
-- Sou eu, Tio Hector! – De onde estavam, Stela e Cyprien quase podiam ouvir o coração de Tomas aos saltos. – Seu aprendiz fujão está de volta!
-- Meu... Ah, meu Deus, Tomas? – Som de metal batendo em pedra lá dentro, chaves tilintando antes de entrar na fechadura: o velho homem devia estar tremendo, emocionado. – Espere, filho, espere! Já vou conseguir... Ah, Tomas! – exclamou o Tio Hector, por fim abrindo a porta e os braços para o sobrinho. Tomas caiu neles sem hesitar, e demorou um bom tempo até que os outros pudessem ver direito o rosto do velho, de faces escanhoadas, bochechas um pouco flácidas e olhos azuis repletos de lágrimas.

***

Imagem do post, de uso livre: reprodução de carro medieval


Parte 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário