domingo, 10 de abril de 2011

Temporada das Flores (parte 2)

- Mestre Camdell. – Gurion acenou, vendo que o mago já saíra de sua concentração. Camdell retribuiu seu gesto e se pôs de pé, esperando que o intendente se aproximasse o bastante para falarem. Por discrição, o desconhecido retardou o passo, mas sorriu para ele, franzindo o rosto de traços finos e pele queimada de sol.

- Que bom tê-lo encontrado, mestre – disse Gurion. – Este jovem acaba de chegar à sua procura. Ele diz que tem uma carta para o senhor, da parte de Mestra Nya, da Escola de Ciências da Terra em Bergenan. Se não me engano, é alguém para quem Mestre Theoddor costumava escrever.

- É, sim. Por favor, aproxime-se... jovem? – disse Camdell, deixando que a última palavra soasse como uma pergunta.

- Eu diria que este senhor se enganou – sorriu o forasteiro. – Na verdade, fui companheiro de Theoddor na Escola de Ciências da Terra. Há cerca de quarenta anos.

- Mesmo? Oh. Bem, nesse caso peço desculpas – disse o intendente, ruborizado. – É difícil dizer qual a idade de um elfo. Mas se me permite a franqueza... Suas maneiras, suas roupas, enfim, tudo leva a crer que ainda é bem jovem, senhor. Adulto, mas jovem, como os aprendizes que concluem seus estudos conosco.

- Vou tomar isso como um elogio – disse o recém-chegado. O mago sorriu, gostando do seu jeito brincalhão, do despojamento de sua túnica de linho cru e das velhas sandálias. Uma pulseira de fio torcido era o único adorno, e no ombro ele trazia uma bolsa de cânhamo, da qual, depois de muito vasculhar, tirou uma carta que estendeu para Camdell.

- Mestra Nya lhe envia seus cumprimentos e pesar pela morte de Theoddor, e creio que fala também a meu respeito – disse. – Mas permita que eu me adiante. Meu nome é Rydel, estudioso de Ciências da Terra, principalmente de pássaros. Vivi os últimos anos numa aldeia próxima à Floresta do Sol, e agora estou indo para o País do Norte a fim de conhecer as comunidades de Korbyen e Bryke. Comunidades Odravas, como sabe.

- Sim. Viver da terra, junto à terra e com os filhos da terra – Camdell recitou o preceito que resumia a doutrina. – Eu conheci muitos seguidores do sábio Odravas. Tenho inclusive uma grande amiga que vive em Bryke, e suas cartas me deixam curioso a respeito da aldeia.

- Também quero conhecê-la, Mestre Camdell. Mas antes de partir – porque, provavelmente, vou demorar a retornar às Terras Férteis – vim lhe pedir um favor, o qual, tenho certeza, Theoddor não recusaria. É a respeito das águias – revelou o elfo. – As águias mais lindas de Athelgard, que só existem nesta floresta. Eu gostaria de observá-las ao longo de duas estações.

- As águias douradas – disse o mago.

Rydel assentiu, com ar esperançoso, e ficou em silêncio. Também Camdell, apesar de tudo que vira e sentira momentos atrás; de alguma forma, ainda precisava de um sinal. No entanto, quando pensava em convidar o visitante a se hospedar por aquela noite – na qual, a sós, refletiria sobre o seu pedido - das flores que cresciam junto à laje voou uma borboleta, de asas coloridas com todos os matizes da estação. Ela esvoaçou em torno da cabeça de Rydel, beijando-lhe os cabelos, e voou levando consigo todas as dúvidas do mago.

Theoddor concedera a sua bênção.

- Seja bem vindo entre nós. – Camdell ergueu a mão, sentindo a pressão suave da palma do forasteiro. – Gurion, aqui presente, fará o favor de lhe arranjar aposentos na ala de hóspedes. Pode ficar o tempo que quiser.

- Muito obrigado. Na verdade era o que esperava – confessou Rydel. – Talvez duas estações não sejam suficientes... Mas, veja, não quero ser um fardo – acrescentou, com ênfase. – Ao contrário, pretendo retribuir sua hospitalidade. Deve haver algo no castelo que eu possa fazer, cuidar de um pomar de árvores... de uma horta...

- Acharemos, certamente, um trabalho adequado – disse Camdell. – Por agora, talvez possa nos dizer algo sobre estas flores. Tenho vindo a esta colina, em todas as estações, nos últimos sete anos, mas não me lembro de ter visto nada assim.

- Estas aqui? – Rydel se agachou, observando-as com interesse. - É curioso, já vi flores bem parecidas, mas com estas cores nunca. Logo mais, se me permitir, trarei ferramentas e um cesto e levarei algumas, com as raízes, para fazer um exame.

- Use o gabinete de Theoddor. Está como ele deixou – ofereceu Camdell. Gurion ergueu a cabeça, com vivacidade, olhando para um e para outro até compreender. Então, com um leve suspiro, aquiesceu, tentando se manter firme sob o manto de luto e tristeza por seu mestre.

- Vou levar o Senhor Rydel a seus aposentos – disse. – O senhor vai ficar? O Irmão Dougan estava à sua procura.

- Sei o que ele vai dizer – replicou o mago. – E também o que você pode fazer. Procure quem trabalhe com números aqui em Vrindavahn - comerciantes, quem sabe - e diga que procuramos um novo professor. Um que não pense que ofendemos a seu Deus com nossas práticas.

- Muito bem. Mas, Mestre Camdell... é só para a Matemática? Não precisamos de nada mais?

Dizendo isso, o intendente olhava para Rydel, ainda ajoelhado em meio às flores que pareciam intrigá-lo. Ao seu redor flutuava uma aura límpida, azul e rosada como aquelas pétalas, as bordas irradiando os raios vermelhos da energia e do entusiasmo. Havia tanto a ser descoberto no Castelo das Águias! E tanto a partilhar!

- Não, Gurion – disse Camdell, sorrindo. – Por duas estações, talvez mais... já conseguimos tudo que nos faltava.

Leia a Parte 1

4 comentários:

  1. E conseguiram mesmo, Theoddor me disse.
    bjs
    Vânia

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  2. "Viver da terra, junto à terra e com os filhos da terra"

    Como eu queria estar com os Odravas...

    Ótima escrita, como sempre. ;)

    Beijão! ;**

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  3. Algo me diz que essa parceria vai durar bem mais que duas estações. ;)

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  4. Adorei! Me apaixonei pela escrita e ambientação que foi dada ao conto, Ana. Personagens super bem apresentados e história linda. Adorei, mesmo.

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