terça-feira, 7 de junho de 2011

O Fogo Interior (Final)

- Moleque idiota! Olhe o que fez! – rosnou o recém-chegado, a voz mais soturna que nunca. – Sabia que tinha sido você!

- M-Mestre Kieran – balbuciou Razek. – Eu não...

- Não o quê? Vai negar? – cortou Kieran. Parando quase em cima do aprendiz, ele apontou para as árvores, marcadas por feridas recentes e cicatrizes antigas. Razek relanceou os olhos por elas e baixou a cabeça. Seu rosto queimava de vergonha, mas mesmo assim ele tentou dizer algo em seu favor.

- Eu não queria fazer isso. Foi um acidente, como hoje com os blocos. Eu juro!

- Ah, sim! Aquilo foi acidente – retrucou o mago. – E a primeira vez, aqui na floresta, quem sabe. Mas e todas as outras? Vai dizer que também foi acidente? Ou vai admitir que foi um idiota, descontando sua raiva nas árvores porque tem medo de desafiar Lear e Gwyll?

Razek deu um passo atrás, como se houvesse levado uma chicotada. Era a segunda injustiça de Kieran, mas o pior de tudo era estar vindo justamente dele – do homem que admirara e procurara imitar nos últimos quatro anos. Tudo isso para que, no fim, ele o tratasse como um imbecil.

- Não fale assim comigo – disse ele, e se esforçou para sustentar o olhar do mestre. – O senhor não me conhece assim tão bem para saber. Não sou covarde!

- Ah, não? E as árvores? – replicou o outro. – Por que, a cada golpe, você gritava um nome – Gwyll, Lear, até mesmo Tarja? Que tal lutar com um deles? Ou ao menos com alguém que possa se defender?

- Eu lutaria – disse Razek, acalorado. – Lutaria até com o senhor.

- Duvido! Você não passa de um moleque arrogante – provocou o mago. – Destrói as árvores e as flores, mas não enfrenta um oponente de verdade. Agora mesmo – prosseguiu, dando um passo na direção do rapaz. – Eu sei que você está morto de raiva. Então por que não me ataca?

- Se atacar, vou machucar o senhor – disse Razek. Um véu avermelhado lhe cobria os olhos, e através dele Kieran riu, fazendo o sangue borbulhar em suas veias.

- Você, me machucar? Quero ver – zombou, e isso foi a gota d’água.

Com um grito selvagem, Razek atacou.

A energia o percorreu como um raio antes de explodir num jorro pelas mãos. O impacto foi tão grande que o atirou para trás, atordoado, porém já consciente do estrago que poderia ter causado a seu alvo.

Que desta vez não era apenas uma árvore.

- Mmm-Mestre – balbuciou o rapaz, forçando-se a erguer os olhos. Esperava pelo horror – o corpo de Kieran destroçado, ou ao menos ferido, as roupas ensanguentadas – mas não havia horror nenhum, exceto em seu próprio coração. Diante dele estava apenas o mestre, vivo e ileso, tendo nas mãos uma esfera de brilho estranhamente translúcido.

Pura energia mágica.

- Muito bom – disse ele, ainda grave, mas o tom era oposto ao de momentos atrás. – Você é melhor do que eu pensava. É uma arma de guerra.

- Melhor? – Razek piscou enquanto se punha de pé. – O senhor não me achava...

- O que, um moleque estúpido? É mesmo. Tem que ser, para desperdiçar sua força desse jeito – respondeu Kieran.

Suas mãos se moveram, girando a esfera de forma a concentrar o brilho, depois a comprimindo para dissipar a energia. Razek o observava em silêncio. Tinha os braços cruzados e às vezes precisava esfregá-los, pois de repente voltara a sentir frio. Todo o fogo se esvaíra naquele único jato.

- Você percebeu do que é capaz – disse o mago, depois de alguns momentos. – Tornei sua energia visível para que não duvidasse. Mas o caminho que está seguindo não é bom. Isso – apontou para as árvores – é inadmissível. Posso lhe dar uma oportunidade de consertar, mas será a única.

- Claro que sim, mestre – prometeu Razek, ansioso. – Eu faço o que o senhor mandar.

- Ótimo. É assim mesmo que funciona – disse Kieran, com um sorriso torto. – O primeiro passo é contar ao Finn, que certamente fará um sermão. Você vai ouvir cada palavra sem abrir a boca. Depois, vai procurar Rydel ou Sophia, e um deles deve lhe dar instruções sobre a cura das árvores. E eu vou pedir ao Mentor que o oriente em alguns exercícios, algo que o ajude a se equilibrar, porque, rapaz – fez uma pausa, fitando-o com olhos estreitos – se não dosar esse fogo, ele vai queimar tudo e todos, mais cedo ou mais tarde. A começar por você mesmo.

Razek engoliu em seco e assentiu. À sua frente via se desenhar um futuro improvável, reto como uma lâmina, com longas horas de estudo e meditação antes que, por fim, aprendesse a controlar seu próprio poder. Era necessário – agora entendia – mas desalentador. Principalmente comparado aos planos que tinha até uma hora atrás.

- Você parece preocupado. E tem razão. – Kieran continuava a sorrir. – Vai ter muito trabalho para chegar onde quer. E ainda precisa encontrar tempo para o mestre de armas.

Razek arregalou os olhos e o encarou. Essa já era uma história diferente. Suas mãos, crispadas pelo frio, começaram a se aquecer, não com o fogo habitual mas com um calor suave, que se espalhou pelo corpo enquanto Kieran continuava a falar.

- Há uns dias, Gwyll me pediu que incluísse Tarja no grupo de combate. É razoável – disse ele. – Porém mais ainda é manter o equilíbrio do grupo, fazendo vocês começarem ao mesmo tempo. Hoje, com os blocos, eu ia dizer para unirem esforços. Só que você se descontrolou logo no início.

- Feito um imbecil – suspirou Razek.

- Pois é – concordou Kieran. - Mas mesmo assim você e Tarja têm bom potencial. Vão progredir rápido se trabalharem juntos. Isto é, na Magia do Pensamento. O resto é com você.

- A Magia da Alma, não é? Sei disso – afirmou Razek. – Hoje mesmo eu vou...

- Que Magia da Alma! – cortou o mestre. – Estou falando de Tarja. Você e ela vão ficar mais uns três anos aqui em Vrindavahn, enquanto Gwyll vai embora no ano que vem. Quem sabe...?

Ergueu uma sobrancelha, o gesto mais amistoso que o rapaz o vira fazer até então. Era estranho e, de alguma forma, revelador – uma pista, supôs Razek, para o passado que Kieran sempre mantivera em segredo. Talvez ele também perdesse o controle quando era mais jovem. E talvez houvesse outras coisas em comum, afinidades que poderiam aproximá-los ao longo do tempo e torná-los amigos. Talvez...

- Então? Vai ficar aí com esse sorriso tonto? Ou voltamos ao castelo?

A pergunta ríspida o trouxe de volta ao presente. Kieran estava a alguns passos de distância e o esperava, com o ar impaciente de costume. Razek o seguiu sem perguntas. Haveria tempo para elas mais tarde. Por enquanto, bastava a sensação de estar em paz, tendo à frente um futuro promissor e um novo fogo dentro do peito.

Um fogo que, pela primeira vez, aquecia em vez de incendiar.

2 comentários:

  1. Gostei da atitude de Kieran, acho bem coerente com o que você vem apresentando do personagem.

    Xingar alunos: o sonho de qualquer professor. ;D

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  2. Kieran e Razek, mestre e aprendiz apaixonantes...
    Pura emoçao pulsando, ódio, revolta, mas no fim, um novo caminho, e de luz e realização para o Jovem e incompreendido Razek.

    Ótima escrita, sentimentos transbordando pelo meu corpo. Fiquei arrepiada com esta parte final.

    Beijão!

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