quinta-feira, 31 de julho de 2014

O Passo Além do Círculo: Cap. 6.5: Um Convite, um Desafio e um Futuro Possivelmente Brilhante



- Theran e eu estudamos juntos há mais de cinquenta anos e não nos perdemos desde então. Cada um seguiu seu caminho, e, nessas voltas que o mundo dá, ele acabou por regressar a Riverast e se tornar um dos mestres associados à Escola. Recentemente, um de seus antigos aprendizes lhe escreveu a respeito de uma cidade no País do Norte, aliada das Terras Férteis, onde gostariam de empregar um mago para ajudar a manter a paz na região; e, como ele sabia que eu tinha estado por aqueles lados  e conhecia vários jovens de talento, consultou-me sobre a possibilidade de enviar um deles para lá. Assim...
- Não precisa dizer. O senhor pensou em mim. – Lear prendeu o fôlego, imagens de castelos rústicos e montanhas nevadas invadindo-lhe a mente. – Mas por que acha que eu poderia...
- Você já vai ver! – disse Anna, entusiasmada. – Finn, leia para ele o que o Thane está pedindo!
- Claro. Meu amigo transcreve aqui – disse o meio-elfo, procurando as frases na carta. – Escute. Estas são as palavras de Herrin, Thane de Leighdale:
Minha dama e eu gostaríamos de empregar um jovem que conhecesse o suficiente de Magia para criar em nossos rivais um senso de temor e respeito, e assim manter nosso povo em segurança. Ele terá de aparecer em ocasiões como a festa da primavera e a da cidade e dar demonstrações de seu poder, coisas simples, mas de aspecto grandioso, que encham os olhos de nossa gente; poderá ter de acompanhar nossos embaixadores e, se necessário, os exércitos, mas esperamos que sua presença desencoraje as ameaças. Ele será alojado no castelo e receberá o tratamento mais digno...
- ... e daí para a frente ele se estende sobre as condições, que são excelentes; o pagamento é o bastante para tornar você um homem rico, se decidir sair após três anos de contrato – disse Finn. – Então, o que parece até agora? Não acha que a posição vem a calhar? Para impressionar o povo de Leighdale com espetáculos e inibir os rivais?
- Eu não... não sei se entendi bem o que eles procuram, mestre – murmurou o rapaz, confuso. – Não são bem espetáculos, parece, e... e eu acho que eles esperam que o mago vá à guerra...
- Não, Lear, eles querem é que não haja guerra – tornou Finn, persuasivo. – Lembra-se de Kieran ter-lhe dito que, numa batalha, adoraria ter você por perto para afugentar o inimigo com seu ilusionismo? E você pensa rápido, é criativo, cheio de recursos. É isso que eles querem, Lear, e não um velho mago rabugento, por mais que tenha experiência.
- O que, aliás, não iriam conseguir – disse placidamente Lara. – Poucas pessoas sairiam das Terras Férteis para viver num lugar como aquele.
- Mas é um bom lugar – rebateu a Mestra de Sagas. – Não é lá muito grande, mesmo para o País do Norte; mas tem um porto, solo fértil, clima ameno a maior parte do ano e, pelo que eu soube, governantes quase sempre justos. Aqui, eu encontrei um livro que narra uma viagem pela região.
Lear pegou o volume retirado da sacola que Anna trouxera consigo, agradeceu, mas o deixou fechado sobre o colo. Agora já fazia uma ideia melhor do que fora proposto e não lhe parecia tão intolerável a ponto de descartá-lo sem refletir, mas, mesmo com os elogios de Finn, não poderia dizer que estava entusiasmado. Passar três anos de sua vida numa remota cidade do Norte – três anos em que seria bem tratado e muito bem pago, sim, mas teria de conviver com costumes estranhos, com o frio, com pessoas que talvez fossem boas, mas que, provavelmente, seriam mais rudes e ignorantes do que aquelas que encontraria em Riverast. E além de tudo, mesmo que pudesse praticar ao longo daqueles anos, como faria para prosseguir na Senda?
- Eu ainda não sei – admitiu, com desânimo. – Suponho que o senhor e os demais me considerem despreparado para trabalhar com os mestres de Riverast, mas, pelo que entendi, há chances de que me indiquem no futuro. Como eu faria para estudar, isto é, quem me orientaria se eu fosse para o Norte como um iniciado do Terceiro Círculo? Não deve haver outros magos em Leighdale.
- É verdade, mas nós poderíamos continuar a ser seus mestres – disse Finn, para surpresa do rapaz. – Continuaríamos a nos corresponder com você – eu, principalmente, mas você vai precisar dos outros também. Kieran e Lara estão dispostos a ajudar e até mesmo Camdell tem meios de alcançá-lo, se necessário. Nós proporemos pesquisas e exercícios, enviaremos livros, daremos toda a orientação de que precisar; você não seria o primeiro a se instruir dessa forma. Por outro lado, a experiência vai amadurecê-lo, o que você também precisa; pois a verdade, meu rapaz, é que o ambiente na Escola de Riverast pode não ser o melhor para você, não como você é agora. Ele favorece os eruditos e os ambiciosos, mas não é tolerante com os artistas. E nós – não apenas eu, todos nós – detestaríamos vê-lo abrir mão disso para ter suas outras qualidades reconhecidas. Entende agora o que fizemos?
Suas mãos apertaram as do aprendiz, transmitindo o mesmo calor que lhe emanava dos olhos. Lear engoliu em seco, ainda hesitante, porém calmo e estranhamente – docemente – emocionado. Então seus mestres não o diminuíam por causa da Arte; queriam que se fortalecesse, não que mudasse. Sabiam que ele valia o esforço.
Imagens distantes, porém muito nítidas, invadiram sua memória, vindas do passado – sua chegada ao Castelo, ainda menino; a acolhida dos artistas da Ala Violeta e a do próprio Finn, tempos depois, elogiando seu talento para a Magia da Forma – e se misturando a outras que só podiam ser vislumbres do futuro. Havia um porto, como Mestra Anna dissera, e um castelo, com uma dama gentil e um senhor de meia-idade que o tratava como a um sobrinho querido; havia guerreiros, artesãos, crianças e camponeses, e todos olhavam para o mago como se olhassem para um Herói que andasse sobre a terra. Não era nada como o que sonhara antes, mas era uma porta que se abria. E quem seria ele se não tentasse improvisar?
- Aquelas pessoas nunca viram um mago, Lear. Pense em como vão amar você. – A voz de Anna veio ao encontro de seus pensamentos. – E a experiência de viver no Norte – outras terras, outras paisagens. Você vai voltar mais seguro e muito mais poderoso.
- Se decidir, vou lhe dar algumas aulas especiais – ajuntou Lara. – Para o que eles querem, você provavelmente vai ter de lançar mão de muitos encantos em espiral... rimas e cantigas sempre ajudam a manter a concentração.
- Obrigado, mestra. Muito obrigada aos três – disse Lear, soltando as mãos de Finn para apertar, ao mesmo tempo, as das duas mulheres. – Ainda não resolvi, mas vou pensar, prometo, e... Puxa. É muita coisa de uma só vez.
- Nós entendemos – sorriu Anna. – Também fiquei assim quando Camdell me ofereceu uma posição aqui. Levei quase uma lua pensando antes de aceitar.
- E quase o tempo de cinco respirações antes de me dizer sim – atalhou uma voz grossa, em tom irônico, por trás das costas de Lear. Este se voltou com um sobressalto, largando as mãos de Anna e Lara como se houvessem lhe dado um choque: tão absorto estivera em suas ideias sobre o futuro que não percebera a aproximação de Mestre Kieran, ainda que ele usasse botas de couro e pisasse forte. Gwyll vinha atrás, com sapatos macios e passo leve, os lábios curvados num sorriso que parecia de triunfo. Algum dos planos que sempre urdia em silêncio tinha dado certo.
- Você ganhou, Finn. O moleque é todo seu – disse Kieran, sentando-se ao lado da esposa. – Você e Sophia têm dois cada um, eu fico só com Vergena, mas até que é bom. Vou ter trabalho preparando a cerimônia em que ela vai se tornar a Mestra das Águias.
- Tarja e Razek vão ser os auxiliares – disse Gwyll, lançando um olhar significativo para Lear. – A partir de hoje, vão observar as restrições do trabalho mágico, assim como a gente.
- E por aqui? – perguntou Kieran, também se dirigindo ao Encanta-Dragões. – Como foram as coisas?
- Bom... Posso dizer que tive muitas surpresas. – Lear escolheu as palavras com cuidado. – Gostei muito de saber que consegui a espada, e fiquei triste por não ir a Riverast. Mas a proposta para trabalhar no País do Norte foi... Puxa. – Balançou a cabeça, sem saber como se explicar. – Eu nunca teria esperado isso. E, como ia dizendo, não sei o que fazer. Vou precisar de um tempo para pensar no assunto.
- É? Bom, em seu lugar eu nem pensaria – replicou o Mestre das Águias. – O que você faria se não aceitasse? Voltaria para Madrath? Ou iria para outra cidade, trabalhar como ajudante de algum daqueles velhos que fazem espetáculos de luzes?
- É mais ou menos o que querem em Leighdale – argumentou Lear. – O senhor deve ter lido a carta. Eles falaram claramente sobre eventos.
- Sim... e também sobre diplomacia, sobre defesa, sobre proteção. É isso que eles querem, garoto. E é uma coisa decente de se fazer com o Dom. – Calou-se por um momento, aproveitando para comer a fatia de pão que estivera cobrindo com mel. – Além disso, você vai endurecer um bocado vivendo naquelas terras – vai crescer de uma vez por todas. Já está mais do que na hora.
Lear baixou o rosto de faces vermelhas e não retrucou. Fez-se um silêncio breve, um tanto incômodo, no qual ecoavam as últimas palavras ditas: Lear devia endurecer, portanto devia passar por privação e sofrimento. A menos que estivesse muito enganado acerca do vocabulário do Carrasco.
“Ao menos não me considera um caso perdido”, pensou o rapaz.
- Bom, então é isso. Lear vai refletir, não há razão para pressa, e será bom que leia a carta com atenção. – Finn voltou a guardá-la no envelope e a estendeu ao aprendiz. – E nesse meio-tempo há muitas coisas para resolvermos. Temos as cinco iniciações do Terceiro Círculo, temos as demais...
- E o auto – lembrou Anna. – Hoje à tarde vai haver ensaio. Espero que você possa vir, Lear.
- Também espero – disse ele, voltando-se para Finn. – Ou o senhor quer marcar alguma coisa?
- Não, hoje à tarde eu e Sophia vamos à cidade para uma visita. Você pode ir para o seu ensaio.
- À tarde? Que pena, eu estava planejando uma volta pelas muralhas, como fiz com Gwyll – disse Kieran, erguendo as sobrancelhas. – Ele não demonstrou muito interesse pelos encantos de defesa, mas você terá de aprendê-los se for para o Norte. Amanhã, então? À sexta hora?
- Tão cedo? Não podíamos...
- Não – disse o Carrasco, em tom enfático. Lear esperou que dissesse o porquê, mas Kieran se limitou a comer outro pedaço de pão com mel, deixando a explicação por conta de um ressabiado Gwyll.
- O encanto se beneficia do nascer ou pôr do sol – disse ele, olhando de soslaio para o mestre. – E eu me interessei sim, mas... hum, o senhor pressionou um pouco.
- É verdade. Precisava acabar com uma dúvida. Mas você vai achar o passeio divertido – disse Kieran, dirigindo-se a Lear.
Uma pausa, e o Sorriso do Mal se desenhou em seus lábios antes que ele completasse:
- Quando se trata de você, eu não duvido de nada.






Parte 6

Epílogo

domingo, 27 de julho de 2014

Entrevista Para o Site Três Sagas


Pessoas Queridas,

Fui entrevistada pelo Vagner Abreu, do site Três Sagas, sobre meu trabalho como escritora: o processo criativo, as influências, como tudo começou. Compartilho com vocês aqui.

Em breve voltarei com a continuação do conto "Um Passo Além do Círculo" - mas antes disso vai-se encerrar a promoção de Livros e Mimos, bem como o concurso cultural que premia fanfics baseadas no conto "O Javali". Quem ainda quiser participar, corra lá na nossa página de Promoções!

Espero vocês!

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Passo Além do Círculo - Cap. 6 : Um Piquenique, uma Carta e uma Notícia de Arrasar



       Um desjejum em companhia de Finn, o simpático mestre de Magia da Forma, era sem dúvida uma ocasião menos temível do que estar diante dos Sete na sala de reuniões. Ainda assim, Lear teve uma noite difícil, na qual, além de ter custado a pegar no sono, teve sonhos tumultuados e acordou pelo menos meia dúzia de vezes. Por fim, já pelo meio da madrugada, o cansaço o fez mergulhar num sono mais pesado, do qual só acordou com as pancadas fortes de Irena à sua porta.
       - Menino Lear, não tinha que estar de pé à sexta hora? Há quanto tempo o sino tocou! – A voz aguda, sem cerimônia, da criada que o conhecia desde os dez anos de idade. – Pule da cama e vá encontrar os mestres, ande! Que vexame!
       - Calma, Irena, estou indo! – Um olhar para a janela, um sobressalto: se já não eram sete horas, faltava pouco. Lear se vestiu a toda pressa, jogou o manto sobre o ombro e saiu quase voando, passando por Irena, que sobraçava uma cesta de vime cheia das trouxinhas de meias e camisas sujas deixadas à porta pelos aprendizes. Tão rápido quanto pôde, fez suas abluções na casa de banho e ajeitou o cabelo diante do espelho, franzindo o cenho ao ver os pelos castanhos que despontavam em seu queixo e acima do lábio superior. Era constrangedor apresentar-se para um encontro como aquele sem ter feito a barba.
       Ainda prendendo o manto, ele atravessou um longo corredor, no interior da Ala Branca, para depois cruzar o pátio que dava acesso à Amarela. Fazia um bom tempo que não ia lá, porque as aulas de Sagas e Princípios da Magia tinham cessado no Segundo Círculo, e a Magia dos Nomes era estudada na Ala Azul pelos aprendizes do Terceiro. A própria imagem que guardava do lugar tinha sido alterada pelo tempo – e assim, ao entrar no jardim da ala, o Encanta-Dragões se surpreendeu ao achá-la ainda menor do que se lembrava.
        Provavelmente ainda não eram sete horas, mas Lear se congratulou consigo mesmo por ter vindo cedo, uma vez que Mestre Finn já se encontrava à sua espera. Estava bem agasalhado contra o frio, os cabelos como sempre alvoroçados, sentado de pernas cruzadas sobre uma grande toalha onde também fora disposto o desjejum. Havia uma cesta grande com pães, um prato com frios e queijos, uma travessa com frutas e outras com bolinhos de canela; havia mel, leite e uma jarra de cerveja fraca, além de canecas e talheres que – Lear notou com certa apreensão – não eram para duas e sim para quatro pessoas. Por um momento ele fantasiou – e temeu – que os outros comensais fossem Thalia e Kieran, justamente os que a princípio poderiam se opor a sua ida para Riverast; mas Kieran devia estar nas muralhas com Gwyll, e as duas mulheres que, momentos após sua chegada, saíram de uma porta aberta para o jardim não se pareciam com a Mestra de Princípios da Magia.
       Mais uma vez, ele tivera sorte.
       - Bom dia, Lear. Faz algum tempo que não nos falamos, não é? – perguntou Lara, a mestra de Magia dos Nomes, com seus modos discretos. Anna de Bryke vinha atrás dela, com um prato coberto na mão e uma sacola de pano a tiracolo. As duas se acomodaram ao redor da toalha, trocando cumprimentos com Finn e elogiando o aspecto da comida enquanto Lear se esforçava para controlar sua ansiedade.
       - Vocês não começaram ainda, certo? – perguntou Anna, sem que o rapaz soubesse se falava da conversa ou do desjejum. – Eu trouxe um doce de amêndoas e mel que fiz ontem à tarde, mas só sobrou um para cada; o trabalho mágico do Kieran não exige que ele se prive dessas guloseimas.
       - E você não toma cerveja. Não precisávamos ter trazido – disse Finn, olhando significativamente para Lear. O rapaz franziu a testa, buscando o sentido daquelas palavras, mas suas conjecturas foram interrompidas por Lara, que lhe oferecia uma caneca de leite. Seus dedos eram tão finos que mal pareciam sustentar o peso da caneca cheia, por isso ele se apressou a pegá-la, pensando, enquanto bebia, na história que corria na Ala Branca acerca de um antigo romance entre Lara e Kieran. Os dois teriam se envolvido em Scyllix, quando ela ainda era casada com o mago e mestre de combate Hillias, e encerrado o caso no barco que os trouxera a Vrindavahn, portanto muito antes de Kieran ter sequer ouvido falar sobre Anna; mas o mais curioso - pensou Lear, relanceando o olhar de uma para a outra – era o fato de que, à exceção de serem ambas versadas em sagas, não tinham nada em comum. Lara era frágil, tinha cabelos claros e pele quase translúcida, enquanto a morena Anna tinha um aspecto sólido, com ossatura larga e dedos de arqueira. Não era tão bonita quanto Lara, embora não fosse nada feia; sem dúvida combinava bem melhor com Kieran, que passara a juventude como soldado e devia gostar de mulheres fortes. Isso, ou a teoria de Urien, para quem as origens camponesas do antigo Mestre das Águias o faziam preferir as moças de ancas largas, capazes de dar à luz uma dúzia de filhos.
       Urien sempre tinha uma boa tirada.
       - Pensei que estivesse preocupado, Lear – comentou Finn, servindo-se de um pedaço de queijo. – Mas pelo jeito me enganei. Você não para de sorrir enquanto olha para Anna.
       - O quê? Eu não... – gaguejou Lear, trazido bruscamente de volta à sua presente e aflitiva condição. – Eu não estava olhando para ela... quer dizer, talvez sim, mas...
       - Quem sabe estava se perguntando o porquê de eu estar aqui – a Mestra de Sagas veio em seu socorro. – Isto é, além do fato de meu marido ter saído cedo e me deixado sem companhia para o desjejum.
        - A verdade é que chegamos a uma conclusão a seu respeito – disse Finn, agora num tom bem mais sério. – Duas conclusões, para ser exato, mas isso não é tudo; e eu sugiro que se prepare, meu rapaz, pois terá de tomar uma decisão que pode mudar completamente a sua vida.
        - Uma... uma decisão? – Lear pousou a caneca sobre a toalha, bem devagar, sentindo todo o seu sangue afluir às faces. – Mas eu pensei que fosse o senhor... quer dizer, que fossem os mestres, como um grupo, que decidissem tudo...
         - Sei ao que está se referindo, e sim, a decisão a esse respeito é nossa. Mas um caminho se abriu à sua frente, assim como aconteceu com Nardus e Vergena, e é você que deve escolher segui-lo ou não. Anna e Lara podem ajudá-lo nisso, e esta é a razão de estarem aqui. Mas essa é a última parte. Antes de tudo, tenho duas notícias a lhe dar, e quero que escute com atenção. Você está pronto?
         Lear engoliu em seco e assentiu. Os mestres se entreolharam, fazendo acenos entre si como se recordassem um código ou uma sequência de falas. Então, voltando-se outra vez para o aprendiz, Finn começou:
         - O que falei sobre a cerveja tem fundamento: você deve se manter em trabalho mágico, pois lhe darei sua espada no ritual do solstício. No entanto – emendou, antes que o maravilhado Encanta-Dragões soltasse uma exclamação de alegria -, lamento dizer que não podemos recomendá-lo aos mestres de Riverast. Não por enquanto. E é aí que entra algo com que nenhum de nós contava.
       Calou-se, tomando fôlego, ao mesmo tempo que observava a reação de Lear. O aprendiz estava em silêncio, os lábios entreabertos, tentando – e por enquanto não conseguindo – dizer alguma coisa que traduzisse aquilo que sentia. Em uma fração de momento, ele saíra de uma onda de euforia para uma decepção brutal, não totalmente inesperada, era verdade, mas com a qual não estava preparado para lidar. Acabrunhado, ele sacudiu a cabeça e olhou para Finn como se implorasse, embora desta vez não houvesse como se iludir acerca de uma segunda chance.
       Seu destino fora selado.
       - Sinto muito que seja assim. A decisão de promovê-lo ao Terceiro Círculo foi unânime, é bom que você saiba, mas concluímos que não valeria a pena propor seu ingresso na Escola de Magia. Nós...
       - Por que o “nós, mestre? Sei que não foi o senhor – interrompeu Lear. – O senhor queria que eu fosse para Riverast, não queria?
       - Mas é claro, meu rapaz! Nenhum de nós tem a intenção de prejudicá-lo! – Finn estendeu a mão por cima das travessas, pousou-a sobre o punho trêmulo do aprendiz. – Na verdade, todos concordam que poderia tentar ser aceito, mas alguns, baseados no que conhecem sobre a Escola, acham melhor que não o faça ainda; que teria mais chances, e aproveitaria mais sua estada lá, se praticasse durante dois ou três anos. No fim, essa ponderação venceu, e acabou ganhando força quando recebi a solicitação de um antigo colega.
        Dizendo isso, ele pegou um grande envelope, lacrado de verde - estivera a seu lado o tempo todo, mas Lear não o notara -, e tirou de dentro uma folha de elegante papel de linho. Trocou um novo olhar com as duas mestras, que o encorajaram em silêncio, e deu um leve pigarro antes de prosseguir.

   Continua...

    Parte 5


    Parte 6,5

terça-feira, 15 de julho de 2014

Athelgard no Anime Friends



Pessoas Queridas,

Este ano a Editora Draco participa do Anime Friends, um dos maiores eventos de entretenimento pop da América Latina. Vai ter lançamentos (inclusive de "Meu Amor é um Sobrevivente", que organizei com a Janaína Chervezan), palestras do Eduardo Massami Kasse e do Raphael Fernandes e - vejam que legal - TODO o catálogo da editora com desconto, inclusive os livros desta Mestra de Sagas. 

Cliquem aqui para conhecer a programação da Draco no Anime Friends e vejam também os links de compra de ingressos antecipados. Vale a pena! 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O Passo Além do Círculo - Cap. 5: Encontro Esclarecedor


          Um vento frio, cheirando a chuva e a montanha, agitava as folhas das árvores que cercavam o lago. Junto às raízes de um carvalho, um rapaz estava sentado, um meio-elfo de cabelos claros e espetados como pontas de lança. De costas para a trilha, catava vez por outra uma pedrinha no chão e a atirava no lago, não para fazê-la quicar, mas sim para que flutuasse e girasse continuamente no ar sem tocar a superfície da água. Até o momento, conseguira controlar quatro delas. Tinha jogado um pouco mais, porém duas ou três haviam caído – e o jeito como davam voltas no ar lembrava um número de saltimbanco, as raízes de boa parte da Magia praticada no Castelo das Águias. Essa era apenas uma pequena parte do que ele estava prestes a deixar para trás. 
          Tarja se aproximou sem ruído, carregando uma lâmpada a cuja luz podia observar o jogo. Gwyll não deu mostras de perceber sua presença. Sem se voltar, acrescentou mais uma pedrinha ao círculo, sustentou o movimento um pouco mais e inverteu-lhe o sentido, depois estendeu a mão espalmada, pronunciando algumas palavras em voz baixa. Uma a uma, as pedras abandonaram a ciranda e flutuaram até sua mão, e só depois de pegar a quinta ele se virou, sorrindo para a moça que o observava em silêncio.
          - Oi – falou, soltando as pedrinhas.
        - Oi – disse Tarja, e se sentou no chão ao lado dele, sem tocá-lo. Pousou a lâmpada com todo cuidado sobre uma pedra chata e encarou o rapaz, cujo rosto parecia ainda mais fino em meio ao jogo da luz com as sombras.
        - Você sabe por que eu pedi que viesse – disse Tarja, respirando fundo. – Queria falar de nós antes que você fosse embora. Falar sobre o futuro – acrescentou, como se já não houvesse sido clara o bastante.
        Gwyll assentiu com um gesto lento e desviou os olhos para o lago. Parecia estar procurando as palavras certas, embora já houvesse decidido o que ia dizer: nada diferente do que tinha dado a entender, em atitudes e conversas veladas, ao longo dos últimos tempos, e nada que a moça já não soubesse. No entanto, por alguma razão, ela precisava que ele o dissesse às claras. 
       - O futuro – começou Gwyll, ainda reticente. – O futuro que eu planejo para mim está em Riverast. Não por alguns anos, como para a maioria de nós, mas para décadas, talvez para toda a minha vida. E chega um ponto, como você sabe, em que o caminho de um mago se torna...
      - Solitário – Tarja completou, sem esforço: era o que sempre ouviam quando se tratava dos Círculos mais altos da iniciação. – Eu sei disso, Gwyll. E entendo. Mas ao mesmo tempo suponho que você não se propõe a ficar só, a não se relacionar com ninguém até que chegue a esse ponto, então... se entre nós as coisas sempre foram tão harmônicas... pensei, por que não esperar que possamos ficar juntos, de novo, quando eu chegar a Riverast? Mesmo que acabe terminando depois de algum tempo. Você não disse isso, eu sei – acrescentou, antes que ele retrucasse alguma coisa. – Mas tem-se esquivado de mim, e... e uma coisa que nunca tinha feito antes... entrou no jogo dos garotos que ficam me empurrando para o Razek. Não sei o porquê disso agora, mas...
        - Tarja – Gwyll interrompeu, olhos brilhantes cravados nos dela. – Ninguém empurrou você pra ele, para começar. Vocês é que voltaram a se aproximar depois daquela história com as árvores. E você tem estado com ele, tanto quanto comigo. Não venha me dizer que não.
        - Digo, sim, porque não é do mesmo jeito – replicou a moça. – Eu gosto muito do Razek, isso é verdade. Gosto do que tenho com ele e não quero perder isso. Mas o que tenho com você também é bom, e eu não sei por que sou obrigada a escolher.
        - Você não tem que escolher, Tarja. Eu escolhi – afirmou Gwyll, surpreendendo-a pela primeira vez. – Não vou dizer que foi pensando em você, e muito menos por causa do Razek. Na verdade, eu faria a mesma coisa se ele não existisse, mas fico feliz que exista porque... Ah, Tarja. – Calou-se, relanceando os olhos para o lago. – Eu gosto muito de você, mas nossos caminhos são diferentes. Quero seguir o meu sem me preocupar se estou deixando alguém para trás – alguém que talvez mude seus próprios planos por mim, e que eu terei de abandonar para ingressar no Oitavo Círculo. Ao contrário, quero que você siga em frente, passe o tempo que tiver de passar em Riverast e depois vá correr mundo, até que decida se estabelecer e começar sua família. É o que você quer, não é? Desde que a conheço, não está sempre falando nos seus futuros filhos?
       - Que eu nem sei se vou ter! – replicou Tarja, perplexa. – Por que acha que eu tenho tantas certezas sobre o futuro? Aliás, como pode ter tanta certeza sobre o seu, ou pelo menos sobre o fato de que vai querer isso para sempre? Por que não vive um dia de cada vez?
          - Porque não sou assim! – respondeu ele no mesmo tom, que misturava a surpresa e uma espécie de frustração. – Desde o início eu soube que queria os Círculos mais altos e estou trabalhando de acordo. Para que serve treinar sua vontade se você não tem um alvo bem claro? Veja Mestre Kieran, por exemplo. Desde bem novo – isso é segredo: Mestre Finn me contou, mas fica entre nós -, Mestre Kieran tinha visões sobre seu próprio futuro, no qual ele era casado e tinha um filho. As coisas foram acontecendo de forma a ele decidir que era isso mesmo que queria, uma família, então não se envolveu com ninguém em Riverast nos cinco anos que passou lá. Quando ainda era Mestre das Águias, ele voltou à Escola de Magia para a iniciação do Sexto Círculo, e de novo, quatro anos atrás, para a do Sétimo. Então, no inverno passado, ele recebeu uma carta do seu antigo mentor convocando-o para o ordálio do Oitavo Cìrculo, com muitas chances de ser aceito – e simplesmente declinou, porque pretendia se casar, embora não soubesse quando e nem tivesse ainda com quem. Na época, segundo Mestre Finn, muita gente disse que ele era um tonto, mas... Bom, você sabe o que aconteceu depois.
        - Sim, claro. Ele achou alguém que se parecia com a mulher das visões, se apaixonou e foi correspondido – respondeu Tarja. – E, sim, é claro que o fato de ele estar esperando por isso há tantos anos trabalhou a seu favor; mas você não acha que as coisas poderiam ter dado errado? Mestra Anna não podia ter gostado de outro, ou acabar sendo morta por aquele monstro do Hillias, ou simplesmente não ter vindo para o Castelo das Águias?
         - Ela poderia ter sido morta – admitiu o rapaz. – Algumas coisas não se tem como impedir, e Mestre Kieran sabe disso. Mas ele tinha toda a certeza de que encontraria a mulher por quem esperou durante tantos anos, e aposto que estava certo de que ela iria gostar dele, mesmo que a consciência não o tenha deixado influenciá-la. Porque é isso que acontece, Tarja, quando você dirige sua vontade para um objetivo. E é por isso que eu também sei que vou chegar aos Círculos mais altos. Sem desvios.
           - Desvios – repetiu a moça, devagar.
          - Isso. Não me entenda mal. – Gwyll estendeu as mãos, pousou-as nos joelhos dela. – Eu gosto muito de você, sempre vou gostar, quero mesmo que continuemos amigos. Mas não quero me envolver com você nem com ninguém. O que acontecer por prazer, ou por diversão, não será nada de que eu não possa me esquecer no dia seguinte. E no futuro pretendo abrir mão até mesmo disso, como Mestre Camdell.
          - Você? – fez ela, incrédula. – O mesmo garoto que chamam de Herdeiro de Loki?
        - Eu mesmo. E esse tempo já ficou no passado, em nome do meu objetivo. Enfim – completou, encolhendo os ombros. – Você entendeu como pretendo viver minha vida em Riverast.
       - É. Eu entendi. – Tarja ergueu a cabeça, respirou fundo, depois soltou o ar pelo nariz, em pequenos haustos. – E, de coração, desejo boa sorte nessa sua escolha. Eu já devia ter entendido sem precisar desta conversa, mas foi bom termos falado.
       - Foi sim – disse ele, mas agora parecia ansioso por concluir a conversa. – O que acha de voltarmos para o castelo antes que esfrie mais? E eu nem vou dormir muito, tenho que estar de pé à sexta hora para dar uma volta pela muralha com Mestre Kieran. Acho que ainda não decidiram de quem vou receber a espada.
          - Tudo bem, vamos – concordou Tarja, erguendo-se sobre os pés, que estavam frios e um pouco dormentes. Não tinha mais o que dizer depois de todo aquele arrazoado de Gwyll. Se ele afirmasse que não queria dividir sua atenção com Razek – embora essa fosse uma ideia absurda: Razek sentia ciúmes de Gwyll, não o contrário – ou ainda se dissesse estar disposto a ter outras pessoas, outras experiências, então sim, talvez ela ainda tivesse por que argumentar. Mas contra aquelas frases cuidadosamente arrumadas, aquele muro de convicções atrás do qual se escondera seu namorado amável e brincalhão – contra todas aquelas certezas, o que ela ganharia em insistir?
         Os dois se despediram com um leve beijo nos lábios e os votos, por parte dela, de que ele tivesse uma boa conversa com Mestre Kieran. Deveriam ter ido juntos até a torre, mas Tarja pretextou uma fome repentina para ir à cozinha, onde pão e frutas eram mantidos à disposição de quem trabalhasse até tarde. Gwyll  falou em esperá-la, mas – ele também não sabia o que dizer – concordou bem rápido em subir direto para o quarto, uma vez que teria de se levantar em poucas horas. 
         Tarja ficou no corredor por uns momentos, segurando a lâmpada acesa, depois deu meia-volta e subiu para o dormitório por outra escada. Cruzou uma passagem entre dois corredores e se dirigiu à porta de Razek, mas antes que pudesse bater – o que ela ia fazer por impulso, na sequência dos passos que a tinham levado até ali – uma voz soou dentro do quarto, narrando uma experiência malfadada no laboratório de alquimia. Era uma voz de rapaz, mais para grave e de timbre agradável...  e não era a de Razek, mas sim a de Padraig, seu colega de quarto. O meio-elfo também disse alguma coisa, momentos depois, mas a moça já havia se afastado da porta. Não fazia sentido entrar no quarto onde estavam os dois. Ela hesitou por um instante, calculando o tempo que Gwyll devia ter levado a subir e as possibilidades de haver reunião em seu quarto, depois deu de ombros e se encaminhou à escada que conduzia à torre.
         A porta de Gwyll e Lear estava fechada, mas a voz abafada de um deles podia ser ouvida lá dentro. Tarja não esperou para saber quem era. Em vez disso, entrou em seu próprio quarto, segurando a lâmpada de modo a não deixar que a luz incidisse sobre o rosto de Vergena, cujas formas se adivinhavam sob as cobertas. Supunha que a elfa estivesse dormindo, mas, quando regressou pé ante pé da casa de banho, foi surpreendida pelo par de olhos brilhantes que a fitavam numa interrogação.
           - Acho que era aquilo mesmo – disse Tarja, encolhendo os ombros. Havia desalento em sua voz, mas – ela mesma percebeu – menos do que esperava. Vergena teve um daqueles seus sorrisos sérios. Sem desviar os olhos da amiga, ergueu um lado da manta, e Tarja deslizou para se aninhar no espaço vazio ao seu lado. A mão da elfa lhe afagou os cabelos e ela fechou os olhos, sabendo, em seu coração, que esse silêncio lhe faria mais falta do que toda a eloquência de Gwyll. 

         Continua...

Parte 4

Parte 6

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Passo Além do Círculo - Cap. 4: Apenas uma Conversa de Dormitório



Entre conversas com os mestres na Ala Violeta, um almoço simples partilhado com Tomas e outros artistas e muitas congratulações – por fim, Anna se decidira a lhe dar o papel de Senhor da Luz  no auto de inverno -, Lear voltou à Ala Branca perto da sétima hora, a tempo justo para tomar um banho antes de jantar. Pensava, é claro, em se reunir aos colegas e perguntar pelas novidades, mas elas o esperavam quando chegou ao seu quarto: deitado em sua cama, Erdon mais uma vez olhava para o teto, recusando-se a se deixar consolar pelos três elfos que se espalhavam no chão e na cama de Gwyll.
- Um ano nem é tanto. Vale a pena sair daqui mais bem preparado – dizia Lahini, secundada pelo namorado, Galdor, ambos aprendizes de Artes da Cura. – Mestre Finn disse que ainda há chances de que o recomendem para Riverast.
- Mestre Finn queria me animar. E não adiantou! – lamentou-se Erdon. – Eu vi a cara do Carrasco! Ele quase não conseguia disfarçar o Sorrisinho do Mal! Ah, se eu tivesse o menor jeito para aquela droga de Combate Mágico...! Podia sair daqui antes dos vinte, como eu planejava. Mas não! Outro ano metido neste lugarejo em vez de uma cidade de verdade!
- Vou levar você a uma aldeia Odravas. Aí vai ver o que é de fato um lugarejo – disse Lahini.
- Mas então, Erdon, eles já decidiram? – Lear perguntou, sentindo a tensão crescer em seus músculos. – E só a seu respeito por enquanto?
- Não, também chamaram a nós três, Lahini, Vergena e eu – disse Galdor. – Mas não demorou quase nada.
- É, eles foram chamados por desencargo de consciência, e Gwyll, veja só que lindo, foi convidado a dar um passeio com o Carrasco amanhã de manhã – disse Erdon, com uma careta. – Eu tive que sentar à mesa diante de todos os mestres de Magia, e acreditem, não foi nada fácil. Tanto que esses dois aí ficaram na sala ao lado, me esperando com um chazinho calmante.
- Fizeram bem. Você estava tremendo feito vara verde quando saiu – replicou Vergena. – E Nardus vem aqui tomar um pouco do mesmo chá quando sair.
- Nardus? Ele está lá agora? – indagou Lear, cada vez mais preocupado. – Será que eles vão me chamar também?
- Não sei. Não disseram nada. – Erdon encolheu os ombros, a expressão sombria. – Mas, o que quer que digam, não será pior do que me disseram, que eu não estava pronto... Que tinha talento, mas não maturidade...
- Isso não é nenhum xingamento, você sabe – disse Lahini. – Já ouvi coisa parecida, e foi de Mestre Kieran, entre o Segundo e o Terceiro Círculos. Garanto que ele falou de um jeito bem menos suave.
- É, amigo. Sinto muito as coisas não terem saído como você queria – disse o Encanta-Dragões, batendo-lhe no ombro. – Mas ano que vem você recebe sua espada e vai direto para Riverast. Pode estar certo.
- Obrigado – resmungou Erdon. – Nardus também deve ficar. Uma pena: seria bom para ele ir embora logo e arranjar alguém que o fizesse esquecer a Mestra Anna. Sabem que ele chegou a ter esperança, antes de ela se comprometer com o Carrasco? Pura ilusão, coitado.
- Por que seria necessariamente uma ilusão? Os dois têm a mesma idade e ele não é aluno dela, embora seja da Escola, o que talvez vocês humanos vejam como um empecilho. Mas Anna não se importa com essas coisas – argumentou Lahini. – Ela é minha amiga, tanto quanto é de Mestra Sophia. Por que não poderia se interessar por um rapaz gentil e inteligente como Nardus?
- E por que ela haveria de querer um aprendiz quando pode ter o mestre? Mulheres não querem saber de beleza. Elas procuram o poder – disse Erdon, mas a exclamação indignada das duas moças o fez emendar: - Mulheres humanas, claro, não as elfas!
- Seja como for, está errado! Elfas ou humanas, ou meio-humanas como Anna, nós gostamos das pessoas pelo que elas são! – exclamou Lahini. – Onde você ouviu tamanha bobagem?
- De Mestre Urien, e não é bobagem – respondeu o rapaz. – Na maioria das vezes acho que ele tem razão. Vejam, não é que as mulheres só gostem de homens ricos ou coisa assim. Mas elas gostam dos que são respeitados, admirados, que têm voz de comando... Enfim, que têm algum tipo de poder. Mesmo que sejam feios como o Carrasco.
- Mestre Kieran não é tão feio assim – ponderou a moça. – Podia é não ter aquela cara de poucos amigos.
- Nem que vivesse sorrindo – replicou Erdon. – Ainda assim, seria feio que dói. Não acha, Vergena?
- Não sei, não faço ideia do que Lahini considera bonito. Para mim, todos os homens da sua raça são a mesma coisa: pelos demais, músculos demais, enfim, nada que me entusiasme. Mas o que você disse sobre as mulheres é ridículo, Erdon. Se já não estivesse tão desconsolado, eu despejaria este chá nos seus fundilhos.
Erdon, que estava deitado de bruços, levou as mãos para trás na mesma hora e protegeu o local. Os outros riram, desanuviando o ambiente, e foi nesse ponto que Nardus entrou no quarto.
- Oi, pessoal. Tenho novidades – disse, parecendo a um só tempo tranquilo e muito cansado. – Os mestres localizaram um especialista em música ritual, inclusive para ritos de cura, e ele precisa de um ajudante, por isso me perguntaram se eu queria o cargo. O sujeito é iniciado no Sexto Círculo, então posso ficar metade do ano com ele, ter mais um pouco de orientação e voltar para pegar minha espada. Ficando aqui, eles acham que meu progresso vai ser mais lento e que vou precisar de um ano inteiro. O que vocês fariam no meu lugar?
- Um ano a mais aqui ou meio ano com um estranho? Difícil – Lear balançou a cabeça. – Ele é humano? Você vai morar na casa dele?
- Meio-elfo, e vou me hospedar com ele sim, mas Mestre Urien o conhece bem e disse que vou gostar. Ele havia falado comigo a respeito – admitiu Nardus, aceitando uma caneca de chá. – Hoje de manhã, antes de você nos encontrar na Ala Violeta. Eu já sabia mais ou menos o que esperar da entrevista com os Sete.
- Bom, então você deve ter tido tempo para pensar – observou Galdor. O que disse a eles?
- O que esperavam ouvir. – Nardus se sentou na ponta da cama de Lear, deixou escapar um suspiro. – Se vieram com essa proposta, tiveram o trabalho de organizar tudo e até de se entender com Mestre Urien, foi por achar que era isso que eu devia fazer. Então, vou ficar para os ritos do solstício e a Noite dos Fogos, depois passar uns dias com minha família – e antes que termine o inverno vou estar em Glen Cadorn, uma vila perto de Bergenan, estudando com meu novo mestre.
- E no verão você retorna, e ainda pega a espada antes de mim – disse Erdon. – Não parece tão mau.
- Ainda mais se o mestre vai ensinar exatamente o que você quer aprender – reforçou Vergena. – Depois, será mais fácil se estabelecer, talvez trabalhando para o Conselho de alguma cidade. Quase todos promovem festas ao longo do ano, e um mago que entende de ritualística é sempre bem-vindo.
- E quanto a Riverast? Alguma chance de o recomendarem quando tiver a espada? – perguntou o Encanta-Dragões.
- Acho que não. Mas, se querem saber, não me importo – disse Nardus. – Na verdade, embora esteja me sentindo triste – bom, talvez não triste e sim meio vazio, é estranho – enfim, não estou contente, mas, a cada vez que penso no caso, mais me parece que essa é a escolha acertada. Quanto mais tempo eu ficar aqui, com o inverno e a chuva e certas pessoas...
- Pior para você. É, acho que está certo. – Lahini afagou-lhe o ombro. – Você tem mesmo que buscar outros ares, isso lhe fará bem.
- E eu fico aqui sozinho – resmungou Erdon -, dividindo o quarto com o Colm e sua mania de ler em voz alta.
- É um bom sujeito. E você ainda vai ter a Tarja, pelo menos.
- E talvez também a mim. Não sei de nada ainda – ajuntou Lear, ao que Nardus o encarou com um olhar intenso, cheio de reflexão.
- Ainda bem que falou. Eu já ia me esquecendo – disse ele. – Amanhã, à sétima hora, você deve estar no jardim da Ala Amarela para falar com Mestre Finn. Pelo lugar que ele escolheu, creio que vai ter mais gente. E eu acho – embora não possa afirmar – que vão servir uma bela proposta junto com o desjejum.


         Continua...

Parte 3

Parte 5

terça-feira, 1 de julho de 2014

Superpromoção de Livros e Mimos

Pessoas queridas,

Nova estação, nova lua, e eu trouxe uma surpresa pra vocês, contando com a inestimável colaboração da Karen Álvares, do blog Por Essas Páginas, e da Melissa de Sá, do Livros de Fantasia. Espero que vocês gostem, participem e ajudem a divulgar nosso círculo!

Passo a palavra à Karen, para que explique as regras da nossa promoção e apresente os prêmios. Não é apenas um sorteio, temos também um concurso cultural que irá premiar a melhor fanfic baseada num conto de Lear Encanta-Dragões, que vocês podem ler inteirinho aqui no blog.

Aguardo vocês. Boa sorte! :)


super_promo_castelo
Fala pessoal, todo mundo a fim de mais uma grande promoção por aqui? Pois bem, a talentosa Ana Lúcia Merege, autora dos livros O Castelo das Águias e A Ilha dos Ossos (e mais um monte de coisa que você pode conferir aqui), convidou o Por Essas Páginas e o Livros de Fantasia para fazer uma super promoção, com vários prêmios incríveis, desde livros da série até muitos mimos lindos temáticos. Além disso, vai ter também um concurso cultural muito bacana onde vocês vão poder soltar a imaginação e escrever fanfics dos livros! 'Bora participar?