segunda-feira, 9 de abril de 2012

Em Nome de Thonarr (Parte 5)


Comparado às fortalezas do norte, e mesmo a algumas edificações dos elfos nas Onze Cidades, o Castelo das Águias não era majestoso. Bonito, sim, e intrigante, especialmente pelas torres de telheiros coloridos. Um a um, eles se revelaram à medida em que o carro avançava pela estrada, conduzido por um empregado do templo e tendo Padraig e o Preste Drusius como passageiros.

Já pelo caminho, o Preste foi falando sobre os antigos senhores de Vrindavahn, que tinham governado a cidade durante séculos até o pacto de extinção da nobreza. Como parte do acordo, a municipalidade lhes pagava impostos, que, junto com a fortuna da família, tinham financiado a construção das novas alas e mantinham a Escola de Artes Mágicas. Tudo de acordo com os desejos do último descendente, Mestre Theoddor, que o Preste, ainda menino, conhecera como um homem gentil, bem-falante e sempre envolvido com seus estudos da Natureza. Que eles fossem se voltar para a Magia, ninguém havia imaginado até a chegada de seu amigo, Camdell de Riverast.

- Então, em apenas algumas luas, as coisas mudaram – detalhou o Preste, com um gesto largo. – Os artesãos e artistas da cidade foram convocados, anunciaram a fundação da Escola, chegaram os primeiros mestres com seus aprendizes. Lembro disso como se fosse hoje. No início eram todos elfos e meio-elfos, mas pouco depois começaram a aparecer postulantes da raça humana... então contrataram Urien, que você conhece, como professor de música, e também o Mestre Naheen, que finalmente pôde ter seu observatório dos astros. E o castelo cresceu, tão rápido que mal se podia acreditar.

- Por que as torres têm cores diferentes? – perguntou Padraig.

- Porque as cores têm significados para os magos. Para nós também: os Prestes usam o cinzento por reconhecer que somos feitos de carne e espírito, luz e trevas, e também por outra razão. Sabe qual é?

- Não.

- É que assim fica mais fácil disfarçar as manchas na túnica! – replicou o Preste, com uma risada cheia.

Padraig e o cocheiro também riram, balançando a cabeça. O carro acabara de cruzar as muralhas e seguia por um caminho pavimentado, bem mais regular do que a estrada lá fora. No fim, chegou a um pátio interno, detendo-se diante de um prédio com apenas duas torres de telheiros pintados de branco. Pessoas circulavam por ali, e ao sair do carro Padraig percebeu traços élficos entre a maioria de rostos humanos. Isso o intimidou um pouco: embora nascido e criado em Vrindavahn, uma das cidades de maior mestiçagem das Terras Férteis, não convivia de perto com os descendentes da outra raça. Esperava que fossem todos tão cordiais quanto Finn e Sophia.

- Paz, Preste Drusius! – saudou um homem baixo e jovem, vestido com roupas sóbrias que deviam ser de um funcionário ou serviçal. – Mestre Camdell aguarda o senhor, vou levá-lo até ele. Quer que ponhamos os cavalos no estábulo?

- Seria bom que bebessem água, mas não se preocupe. Lornan vai cuidar disso – respondeu o Preste, referindo-se ao cocheiro. – Agora, o menino gostaria de dar uma volta por aqui. Ele foi convidado pelos mestres a conhecer o Castelo... Seria possível?

- Claro! Futuro aprendiz? – perguntou o homem, com simpatia. Padraig olhou para o Preste antes de negar, e, por isso, receber um sorriso de aprovação do sacerdote.

- Ele é da cidade, está curioso pelo Castelo e sua história – foi a explicação. O homem assentiu e refletiu alguns instantes, após os quais ergueu a voz, chamando um grupo de rapazes que conversava ali perto.

- Que foi, Will? – perguntou o que chegou na frente. Com uns dezesseis ou dezessete anos, era alto, de cabelo castanho e olhos verdes. Os outros dois deviam ser um pouco mais novos, um deles com certeza meio-elfo, o outro um possível descendente de olhos grandes e oblíquos. Padraig achou que o mais velho tinha jeito de fanfarrão, mas, tão logo o funcionário explicou do que se tratava, foi ele quem se prontificou a levar o menino para uma volta pelo Castelo.

- Vamos começar pela Ala Violeta, depois a Branca. Nessas você pode entrar e olhar à vontade – disse, pondo a mão no ombro de Padraig e se afastando com ele pelo pátio. – A Azul, para quem quer conhecer a história do Castelo das Águias, é a mais interessante, mas você terá de vê-la só por fora, pois é lá que ficam as salas de prática mágica. A propósito, sou Lear de Madrath. Estes são meus amigos Gwyll e Erdon. Como é seu nome?

- Padraig. Vocês são aprendizes de Magia? – perguntou o menino, sem disfarçar sua ansiedade.

- Pode apostar – disse Gwyll, o meio-elfo de cabelos louros e eriçados. – Do Segundo Círculo, já faz algum tempo. Quando vimos você, achamos que também estivesse aqui para isso.

Padraig apertou os lábios e não respondeu. Estavam caminhando em direção à parte oeste do Castelo, onde vários galpões de madeira se erguiam em torno de um anfiteatro e de uma torre com telhas cor de violeta. Dali partiam sons que lembravam os de um mercado, embora em menor escala: o ir-e-vir de serras na madeira, o tinido sincopado de um martelo sobre uma bigorna e exclamações cruzando o ar de lado a lado.

- A Ala Azul do Castelo é a da Magia. Esta é a da Arte – explicou Lear, enquanto o grupo passava entre os galpões. Alguns pareciam antigos e sólidos, mas outros eram claramente improvisados, como os de uma feira de primavera. Além dos artífices, Padraig viu dois homens carregando marionetes de fio e um garoto praticando malabarismo com bolas, sob o olhar de um velho espigado que corrigia cada erro.

- Vamos passar ao largo. Aquele é o Razek, o moleque mais briguento de toda a Escola – segredou Gwyll. – É só a gente olhar pra ele que já fica zangado.

- Se ele é da Escola, por que está fazendo malabarismo?

- Todos nós aprendemos. É uma forma de nos concentrar, o que torna mais fácil trabalhar com a vontade e a energia mágica – disse Lear.

Padraig franziu a testa, sem entender. Nesse momento, um homem usando um avental de couro saiu de uma das oficinas, seus lábios esboçando uma exclamação de surpresa ao ver o garoto.

- Você por aqui! Resolveu aprender Magia, foi?

- Não, estou de visita. Vim com Preste Drusius – respondeu Padraig. O homem assentiu em compreensão. Era um sujeito alto e musculoso, natural do País do Norte, que costumava reparar os danos causados pelo tempo nos vitrais do Templo de Bragi. E, ao que parecia, também era um dos artesãos da Ala Violeta.

- Já que está com o Preste, dê-lhe um recado da minha parte – pediu o homem. – Avise que não tenho como mexer nos vitrais do lado norte antes que arrumem os pilares; que aquela rachadura é um perigo e o teto pode ir abaixo na primeira chuva. Não vai esquecer?

- Não, Mestre Adso. Direi a ele – prometeu o menino.

- Você é mesmo devoto, hem? – comentou Erdon, quando prosseguiram a caminhada. – Pela conversa, parece que está sempre no templo.

- Sou devoto de Thonarr. – Orgulhoso, Padraig ergueu o pendente do martelo. – Ele me guia em tudo que faço. E me protege.

- Se é o que acredita – murmurou Gwyll, em voz não tão baixa.

- Acredito, sim – confirmou Padraig, franzindo o cenho. – Por que não?

- Por quê? Bom, não me leve a mal – replicou o meio-elfo. – Mas acreditar que um personagem de saga existe de verdade e protege você...

- Personagem? Ele é um Herói – protestou o garoto.

- Foi o que eu disse. Um Herói, um personagem. Não uma pessoa real.

- De certa forma ele é, sim, Gwll – ponderou Lear. – Os devotos transferem força para ele. É um símbolo poderoso.

- Símbolo? Thonarr não é um símbolo! – Padraig se deteve, indignado. – Ele é o Senhor do Raio!

- Nas sagas. E na mente dos devotos – insistiu Gwyll. – Não se pode acreditar que existe de verdade um sujeito de barba ruiva, que anda por aí com um martelo de pedra e mata gigantes. Ele é uma representação, entende? Foi o que aprendemos com nosso Mestre de Sagas.

- Então ele não sabe o que diz – replicou Padraig. Seu rosto estava quente e vermelho de revolta. Ao fim e ao cabo sua mãe estava certa: os magos não acreditavam em Deus e nos Heróis. Tentariam afastá-lo deles, com aquela história dos símbolos, caso frequentasse a Escola.

Se bem que Mestre Kieran, no dia em que se conheceram, houvesse falado sobre um outro tipo de Magia... Mas como ter certeza de que isso não era apenas um ardil?

Parte 6

6 comentários:

  1. Ora ora, Padraig já se interessou pelas cores... isso é ótimo. Por falar nisso, aquela aposta ainda existe?


    bjos
    vania

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Apaguei o comentário anterior por haver alguns erros bestas de digitação. hehe

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  3. "- Porque as cores têm significados para os magos. Para nós também: os Prestes usam o cinzento por reconhecer que somos feitos de carne e espírito, luz e trevas, e também por outra razão. Sabe qual é?

    - Não.
    - É que assim fica mais fácil disfarçar as manchas na túnica! – replicou o Preste, com uma risada cheia."

    Adoro estes seus sutis toques de um sarcasmo despretensioso e bem humorado à la ao estilo de um Bernard Cornwell. ótima escrita, como sempre!

    Beijos da sobrinha,
    Ana

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  4. Amigas, vocês é que deixam os meus dias mais coloridos. Obrigada por tudo!

    Aninha, um pouco de humor é indispensável em toda boa história. Pelo menos é o que acho. :)

    Vania, essa promoção não está mais valendo, mas logo logo começarão outras em homenagem ao aniversário do Castelo. Aguarde, vai valer a pena!

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  5. Não vale apenas porque sou a única a saber a resposta? Não é justo! Era só uma brincadeira...não ligo muito para essas coisa, exceto para o senso de humor...que apesar de tudo, de toda penumbra, nunca me abandona.

    bjos,
    Vânia

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