segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Enquanto a Chuva Cai (Parte 1)
Começou com a chuva.
Desde o início de nossa correspondência, eu soubera por Camdell que o inverno em Vrindavahn era muito úmido. No castelo, a meio caminho entre o sopé e o topo da Montanha das Águias, todos os dias amanheciam envoltos numa névoa branca e transcorriam sob chuva persistente, ora fina, ora pesada, mas sempre em quantidade suficiente para manter os caminhos empoçados. Enquanto isso, no interior dos edifícios, os pisos ficavam salpicados de pegadas e os tapetes adquiriam um leve cheiro de bolor.
Naquele início de noite, fiquei à janela da sala de jantar olhando a chuva. Kieran tinha vindo comigo e disputava com Algias uma partida de batalha, enquanto os outros mestres residentes conversavam sentados à mesa. Rydel foi o último a entrar, já se livrando do manto, que estendeu para secar diante da lareira. Como de hábito, não tinha usado capuz, e seus cabelos dourados estavam escorridos e colados na testa. Ele cumprimentou a todos, depois veio para perto de mim e pousou a mão em meu ombro.
- A chuva não para – comentou, olhando pela janela. – É nessas horas que perco toda a determinação de me mudar para uma comunidade no Norte. Se aqui já faz esse frio...
- Frio? Aqui está úmido, mas não frio de verdade – repliquei. – Em Bryke, nesta época, também chove, mas já começam a cair os primeiros flocos de neve. Mais uma lua e serão rajadas, e a floresta vai se cobrir de branco. É lindo – assegurei, dirigindo-me não só a ele mas às três ou quatro pessoas que tinham passado a prestar atenção. – Mas quem chega das Terras Férteis custa a se adaptar.
- Elfos também? – perguntou Urien, e franziu a testa quando eu disse que sim. – Bom, então não estou tão mal. Fui uma vez ao Norte durante o inverno, quando passei uma lua estudando com um mestre em Osenbrit, e foram os trinta dias mais miseráveis da minha vida. Toda manhã, para sair de casa, era preciso tirar a maldita neve da frente do porta. Horrível.
- Peguei uma tempestade de neve perto de Siberlint – disse Finn, sem explicar o que fora fazer lá. – Foi bem difícil, é verdade. Mas há quem goste da neve, mesmo sendo das Terras Férteis. Camdell, por exemplo.
- Sim, eu gosto, mas só pelo motivo citado por Anna – disse o Mentor. – É linda uma paisagem toda branca. Mas o frio não é nada agradável.
- E você, amor? – Voltei-me para meu marido. – O que acha da neve?
- Não sei – disse Kieran, quase ríspido. – Nunca vi.
Um coro de “oooooohs” fingindo decepção saiu dos lábios de Finn, Sophia e Urien. Kieran se voltou para o tabuleiro e moveu um de seus guerreiros, com raiva, ameaçando o mago de Algias. Não compreendi aquele súbito mau-humor, mas preferi não ir adiante com o assunto.
Não até estarmos sozinhos.
O jantar daquela noite foi substancioso, para nos aquecer por dentro, mandou dizer a cozinheira. Quando acabou, conversamos por quase uma hora antes de voltar a nossos aposentos. A chuva ainda caía, por isso Kieran e eu puxamos os capuzes sobre a cabeça, tentando adivinhar e nos desviar das poças d´água no pátio.
- Devíamos ter trazido uma lâmpada. Assim vamos molhar os pés – comentei.
- Melhor que congelá-los como daquela vez– foi a resposta seca.
- Ah, foi por isso que você fez cara feia, antes do jantar, quando perguntei o que achava da neve? – brinquei. – Não gosta dela pelo que quase me aconteceu?
- Seria uma boa razão para não gostar. Mas não se trata disso. – Apertou os lábios, depois me puxou mais para perto de si e continuou a falar enquanto caminhávamos. – As pessoas aqui não se conformam com o fato de eu nunca ter saído das Terras Férteis a não ser para fazer a guerra no Oeste. Já houve muitas discussões inúteis, por isso prefiro evitar o assunto. Principalmente na frente de Urien. Ele insiste em dizer que um mago como eu já deveria ter viajado por toda Athelgard.
- Urien diz muita bobagem. Não há mal nenhum em ainda não ter saído daqui; eu mesma nunca tinha visto o mar até vir para Vrindavahn. Teremos muito tempo para nossas viagens – disse eu. Pensava que assim iria animá-lo. Ele, porém, franziu a testa, inalando profundamente o ar gelado enquanto se detinha à soleira de nossa porta.
- Você quer muito viajar, não é? – soltou, lançando-me um olhar penetrante. Não gosto quando faz isso: tenho a impressão de que ele tenta ler meus pensamentos, se é que não os lê de verdade.
E, quando acontece, não tenho como não me colocar em posição defensiva.
Opa...! Como será que termina essa discussão? Leia aqui - e curta o desenho da Anna feito pela Luiza Merege!
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Ah, Kieran, viajar a dois é tão gostoso! Olha, eu tenho certeza de que se o Kieran desse o braço a torcer, ele ia aproveitar as viagens com a companhia da Anna XD.
ResponderExcluirAdorei o conto, Ana, puxa, a sua escrita é muito fluida. Quero ver como essa discussão vai se desenrolar.
Muito bom! Quero a parte dois do conto logo.. E o segundo livro também!! :D
ResponderExcluirEm breve! O conto dá o clima de como está o relacionamento do casal no livro 2.. Altas emoções! :)
ExcluirAguardando a próxima parte!
ResponderExcluirKieran e seus segredos...
Nem tem segredo... Ele não gosta de viajar, só isso. Aliás, ô sujeito rabugento, não sei como a Anna foi gostar de alguém assim. :)
ExcluirKieran: rabugice épica.
ResponderExcluirOi, Ana,
ResponderExcluirO desenho da Maria Luiza ficou sensacional! E muito legal o conto.
beijos,
vania
Adorei essa primeira parte do conto, amo chuva, amo o frio e que lindo deve ser uma paisagem tendo a neve como seu cobertor. *.*
ResponderExcluirO Kieran parece que é meio de lua, uma hora tá normal e no momento seguinte tome rabugice rsrs, mas ainda acredito que lá dentro, passando por várias camadas, ele deve ter muitos sentimentos, só pelo modo como ele trata as águias, o amor, o carinho e o respeito que sente por elas já é um indício. Acho ele um fofo rs.
Partindo para ler a parte final do conto.