segunda-feira, 9 de abril de 2012
Em Nome de Thonarr (Parte 5)
Comparado às fortalezas do norte, e mesmo a algumas edificações dos elfos nas Onze Cidades, o Castelo das Águias não era majestoso. Bonito, sim, e intrigante, especialmente pelas torres de telheiros coloridos. Um a um, eles se revelaram à medida em que o carro avançava pela estrada, conduzido por um empregado do templo e tendo Padraig e o Preste Drusius como passageiros.
Já pelo caminho, o Preste foi falando sobre os antigos senhores de Vrindavahn, que tinham governado a cidade durante séculos até o pacto de extinção da nobreza. Como parte do acordo, a municipalidade lhes pagava impostos, que, junto com a fortuna da família, tinham financiado a construção das novas alas e mantinham a Escola de Artes Mágicas. Tudo de acordo com os desejos do último descendente, Mestre Theoddor, que o Preste, ainda menino, conhecera como um homem gentil, bem-falante e sempre envolvido com seus estudos da Natureza. Que eles fossem se voltar para a Magia, ninguém havia imaginado até a chegada de seu amigo, Camdell de Riverast.
- Então, em apenas algumas luas, as coisas mudaram – detalhou o Preste, com um gesto largo. – Os artesãos e artistas da cidade foram convocados, anunciaram a fundação da Escola, chegaram os primeiros mestres com seus aprendizes. Lembro disso como se fosse hoje. No início eram todos elfos e meio-elfos, mas pouco depois começaram a aparecer postulantes da raça humana... então contrataram Urien, que você conhece, como professor de música, e também o Mestre Naheen, que finalmente pôde ter seu observatório dos astros. E o castelo cresceu, tão rápido que mal se podia acreditar.
- Por que as torres têm cores diferentes? – perguntou Padraig.
- Porque as cores têm significados para os magos. Para nós também: os Prestes usam o cinzento por reconhecer que somos feitos de carne e espírito, luz e trevas, e também por outra razão. Sabe qual é?
- Não.
- É que assim fica mais fácil disfarçar as manchas na túnica! – replicou o Preste, com uma risada cheia.
Padraig e o cocheiro também riram, balançando a cabeça. O carro acabara de cruzar as muralhas e seguia por um caminho pavimentado, bem mais regular do que a estrada lá fora. No fim, chegou a um pátio interno, detendo-se diante de um prédio com apenas duas torres de telheiros pintados de branco. Pessoas circulavam por ali, e ao sair do carro Padraig percebeu traços élficos entre a maioria de rostos humanos. Isso o intimidou um pouco: embora nascido e criado em Vrindavahn, uma das cidades de maior mestiçagem das Terras Férteis, não convivia de perto com os descendentes da outra raça. Esperava que fossem todos tão cordiais quanto Finn e Sophia.
- Paz, Preste Drusius! – saudou um homem baixo e jovem, vestido com roupas sóbrias que deviam ser de um funcionário ou serviçal. – Mestre Camdell aguarda o senhor, vou levá-lo até ele. Quer que ponhamos os cavalos no estábulo?
- Seria bom que bebessem água, mas não se preocupe. Lornan vai cuidar disso – respondeu o Preste, referindo-se ao cocheiro. – Agora, o menino gostaria de dar uma volta por aqui. Ele foi convidado pelos mestres a conhecer o Castelo... Seria possível?
- Claro! Futuro aprendiz? – perguntou o homem, com simpatia. Padraig olhou para o Preste antes de negar, e, por isso, receber um sorriso de aprovação do sacerdote.
- Ele é da cidade, está curioso pelo Castelo e sua história – foi a explicação. O homem assentiu e refletiu alguns instantes, após os quais ergueu a voz, chamando um grupo de rapazes que conversava ali perto.
- Que foi, Will? – perguntou o que chegou na frente. Com uns dezesseis ou dezessete anos, era alto, de cabelo castanho e olhos verdes. Os outros dois deviam ser um pouco mais novos, um deles com certeza meio-elfo, o outro um possível descendente de olhos grandes e oblíquos. Padraig achou que o mais velho tinha jeito de fanfarrão, mas, tão logo o funcionário explicou do que se tratava, foi ele quem se prontificou a levar o menino para uma volta pelo Castelo.
- Vamos começar pela Ala Violeta, depois a Branca. Nessas você pode entrar e olhar à vontade – disse, pondo a mão no ombro de Padraig e se afastando com ele pelo pátio. – A Azul, para quem quer conhecer a história do Castelo das Águias, é a mais interessante, mas você terá de vê-la só por fora, pois é lá que ficam as salas de prática mágica. A propósito, sou Lear de Madrath. Estes são meus amigos Gwyll e Erdon. Como é seu nome?
- Padraig. Vocês são aprendizes de Magia? – perguntou o menino, sem disfarçar sua ansiedade.
- Pode apostar – disse Gwyll, o meio-elfo de cabelos louros e eriçados. – Do Segundo Círculo, já faz algum tempo. Quando vimos você, achamos que também estivesse aqui para isso.
Padraig apertou os lábios e não respondeu. Estavam caminhando em direção à parte oeste do Castelo, onde vários galpões de madeira se erguiam em torno de um anfiteatro e de uma torre com telhas cor de violeta. Dali partiam sons que lembravam os de um mercado, embora em menor escala: o ir-e-vir de serras na madeira, o tinido sincopado de um martelo sobre uma bigorna e exclamações cruzando o ar de lado a lado.
- A Ala Azul do Castelo é a da Magia. Esta é a da Arte – explicou Lear, enquanto o grupo passava entre os galpões. Alguns pareciam antigos e sólidos, mas outros eram claramente improvisados, como os de uma feira de primavera. Além dos artífices, Padraig viu dois homens carregando marionetes de fio e um garoto praticando malabarismo com bolas, sob o olhar de um velho espigado que corrigia cada erro.
- Vamos passar ao largo. Aquele é o Razek, o moleque mais briguento de toda a Escola – segredou Gwyll. – É só a gente olhar pra ele que já fica zangado.
- Se ele é da Escola, por que está fazendo malabarismo?
- Todos nós aprendemos. É uma forma de nos concentrar, o que torna mais fácil trabalhar com a vontade e a energia mágica – disse Lear.
Padraig franziu a testa, sem entender. Nesse momento, um homem usando um avental de couro saiu de uma das oficinas, seus lábios esboçando uma exclamação de surpresa ao ver o garoto.
- Você por aqui! Resolveu aprender Magia, foi?
- Não, estou de visita. Vim com Preste Drusius – respondeu Padraig. O homem assentiu em compreensão. Era um sujeito alto e musculoso, natural do País do Norte, que costumava reparar os danos causados pelo tempo nos vitrais do Templo de Bragi. E, ao que parecia, também era um dos artesãos da Ala Violeta.
- Já que está com o Preste, dê-lhe um recado da minha parte – pediu o homem. – Avise que não tenho como mexer nos vitrais do lado norte antes que arrumem os pilares; que aquela rachadura é um perigo e o teto pode ir abaixo na primeira chuva. Não vai esquecer?
- Não, Mestre Adso. Direi a ele – prometeu o menino.
- Você é mesmo devoto, hem? – comentou Erdon, quando prosseguiram a caminhada. – Pela conversa, parece que está sempre no templo.
- Sou devoto de Thonarr. – Orgulhoso, Padraig ergueu o pendente do martelo. – Ele me guia em tudo que faço. E me protege.
- Se é o que acredita – murmurou Gwyll, em voz não tão baixa.
- Acredito, sim – confirmou Padraig, franzindo o cenho. – Por que não?
- Por quê? Bom, não me leve a mal – replicou o meio-elfo. – Mas acreditar que um personagem de saga existe de verdade e protege você...
- Personagem? Ele é um Herói – protestou o garoto.
- Foi o que eu disse. Um Herói, um personagem. Não uma pessoa real.
- De certa forma ele é, sim, Gwll – ponderou Lear. – Os devotos transferem força para ele. É um símbolo poderoso.
- Símbolo? Thonarr não é um símbolo! – Padraig se deteve, indignado. – Ele é o Senhor do Raio!
- Nas sagas. E na mente dos devotos – insistiu Gwyll. – Não se pode acreditar que existe de verdade um sujeito de barba ruiva, que anda por aí com um martelo de pedra e mata gigantes. Ele é uma representação, entende? Foi o que aprendemos com nosso Mestre de Sagas.
- Então ele não sabe o que diz – replicou Padraig. Seu rosto estava quente e vermelho de revolta. Ao fim e ao cabo sua mãe estava certa: os magos não acreditavam em Deus e nos Heróis. Tentariam afastá-lo deles, com aquela história dos símbolos, caso frequentasse a Escola.
Se bem que Mestre Kieran, no dia em que se conheceram, houvesse falado sobre um outro tipo de Magia... Mas como ter certeza de que isso não era apenas um ardil?
Parte 6
segunda-feira, 19 de março de 2012
Em Nome de Thonarr (Parte 4)
- Mas, mãe, por que não posso ir ao Castelo das Águias? Só para conhecer! Eu sempre quis ver como é lá dentro!
O tom agudo na voz de Padraig traía sua frustração. Moira não se voltou para responder. Perto do meio-dia, havia muito que fazer na cozinha da “Espada e o Lírio”, e ela já perdera tempo demais. Não tinha cabimento explicar as mesmas coisas pela segunda vez.
- Você ouviu o que eu disse à tal Mestre Sophia – foi sua única concessão à insistência do filho. – Não tenho nada contra eles em princípio. Mas o Castelo não é lugar para um menino como você. E o assunto está encerrado – acrescentou, como se adivinhasse que haveria uma réplica.
Padraig apertou os lábios para não retrucar. Em geral não tinha problemas para aceitar a autoridade de Moira – ela era experiente, sabia o que dizia, e além do mais era sua mãe – mas ele ouvira os argumentos dos magos do Castelo, e, cada um ao seu modo, todos pareciam convincentes. Não que acreditasse que possuía um grande Dom, como insistira o Mestre Kieran, mas, por outro lado, não lhe faria mal conhecer a Escola. Muitos garotos de sua idade viviam lá, inclusive humanos de sangue puro, confiados aos mestres por suas famílias. Alguns até apareciam no Templo com certa frequência, provando que o convívio com os magos não os afastara de Deus e dos Heróis. Por que, então, a mãe lhe proibira até uma visita? Essa era a coisa mais injusta que ela já fizera com ele.
- Já que está aí com essa carranca, faça algo de útil – Moira tampou a panela que estivera mexendo e, finalmente, olhou para o filho. – Leve as geleias para o Templo. Irmão Brenn voltou a me lembrar disso no Dia de Descanso, por isso não quero esperar pelo próximo.
Dizendo isso, ela apontou para um canto da cozinha, onde havia uma cesta cheia de potes lacrados com cera. Cada um continha uma boa quantidade das famosas geleias de Moira, de cereja-brava, amora e marmelos dos pomares de Vrindavahn, e até algumas exóticas, feitas com figos e damascos vendidos por mercadores do Leste. As frutas eram caras e dava trabalho fazer as geleias, mas Moira conseguia um bom lucro vendendo-as para os fregueses da estalagem. Só os Prestes ganhavam alguns potes de graça.
Padraig ergueu a cesta para o ombro e se endireitou com um resmungo. Não porque estivesse pesado: ele ainda estava aborrecido com a mãe. No entanto, uma parte da irritação se dissipou ao sair e dar com a rua cheia de sol, pessoas parecendo satisfeitas e a visão do templo, a apenas alguns passos de sua casa, pronto a acolhê-lo, como sempre fizera, quando se sentia triste ou em dúvida. Seria esse o caso de hoje? Com doze anos, e sendo um devoto de Thonarr, Padraig não demorou a decidir que sim.
E, assim que decidiu, soube quem poderia ajudá-lo.
A entrada do templo era franqueada a todos os devotos, assim como a nave principal e os altares nas laterais. Uma pequena porta dava acesso aos aposentos internos, e esta era guardada por um funcionário, a quem se devia informar a finalidade da visita. Padraig, no entanto, era uma das pessoas mais assíduas por ali, e as geleias podiam ser farejadas de longe, por isso o guardião apenas sorriu e lhe indicou o corredor que levava à residência dos Prestes.
- Guarde um pouco da de figo para mim, hem? – recomendou, com uma piscadela. Padraig prometeu que guardaria e seguiu caminho. Teria ido direto à despensa se algo não lhe houvesse chamado a atenção: passando junto a uma fileira de pilares, viu que estavam cercados por andaimes, e que uma feia rachadura aparecera na base do andar superior. Espero que não caia, pensou o menino, e por via das dúvidas passou ao largo.
As geleias foram recebidas com entusiasmo pelo despenseiro, Irmão Brenn, que Padraig encontrou conferindo uma lista de suprimentos na cozinha. Era um homem de meia-idade, muito magro – coisa rara de se ver, num cargo como o seu – e bastante simpático, o que deixou Padraig à vontade para perguntar pelo Superior da congregação.
- Preste Drusius? Voltou agora mesmo do Conselho e foi para a cela. Espere um pouco que ele deve passar por aqui. Provavelmente não comeu, e já limparam o refeitório... Ah, ah, olhe! Isso é que é um garoto de sorte! – concluiu, apontando para a porta, por onde o Preste Drusius acabava de entrar.
De estatura média e mais para magro, com a longa barba começando a encanecer, o Preste não era um homem imponente à primeira vista. Era, no entanto, um dos mais importantes de Vrindavahn: superior do Templo de Bragi, o maior da cidade, e líder do Conselho eleito pelos habitantes. Isso ocupava muito do seu tempo, mas mesmo assim ele era acessível, dispondo-se a ouvir – desde que as resumissem – as dúvidas e queixas dos fiéis e lhes dar conselhos. Gostava especialmente dos jovens, muitos dos quais tinham feito os primeiros estudos na pequena escola mantida pelo Templo. Padraig fora um deles até o ano anterior, e, desde aquela época, se habituara a recorrer ao Preste Drusius quando precisava de respostas.
Isso, é claro, nas raras vezes em que as preces a Thonarr não eram o bastante.
- Você parece inquieto, Padraig – notou o Preste, após terem tocado cumprimentos. – Aconteceu alguma coisa?
- Mais ou menos. Eu tenho... umas perguntas que queria fazer ao senhor. Posso?
- Claro que sim, filho. Sente-se aqui – disse o Preste, acomodando-se num banco de madeira diante da mesa. O espaço à sua frente fora desocupado por um dos ajudantes de cozinha, que acabara de voltar trazendo pão, queijo e uma travessa fumegante de guisado. Padraig se sentou ao lado do Preste, mas recusou o convite para comer, embora ainda faltasse mais de uma hora para o almoço na estalagem. Mesmo ressentido com ela, mil vezes a comida de sua mãe à do Irmão cozinheiro.
- Então o que houve? – perguntou, solícito, o Preste Drusius. – Não venha me dizer que, com essa idade, já está apaixonado... Não é isso, é?
- Não, Preste. – O sangue tingiu de leve as faces do menino. – É minha mãe. Quer dizer, é uma coisa que eu queria fazer, mas ela não permite e não entendo a razão, por isso... queria saber, o senhor acha que seria errado eu visitar o Castelo das Águias?
- Errado, visitar o Castelo? Mas por quê? – O Preste franziu a testa, exatamente como Padraig esperava que fizesse. – Eles têm uma Escola de Magia, os ensinamentos nem sempre se coadunam com a doutrina do Templo, mas todos que conheço de lá são boas pessoas. E o Castelo em si é belíssimo. Especialmente a parte antiga. É um pedaço da história de Vrindavahn desde a fundação.
- Então, se alguém me convidasse, o senhor acha que eu poderia ir, não é? – Padraig voltou ao assunto. – Que não haveria problema numa visita?
- Hum... não, sinceramente não vejo problema – disse o Preste, cofiando a barba. – Mas quem o convidou? Fez amizade com algum aprendiz?
- Não. Foram os mestres – respondeu o garoto.
Os olhos do Preste se estreitaram com incredulidade. Padraig, então, se pôs a contar a história desde o início, incluindo o episódio com o cão – que atraíra a atenção de Kieran – e terminando com a visita de Finn e Sophia, que, percebendo a relutância de sua mãe, tinham passado a insistir para que o menino apenas visitasse o Castelo das Águias. Fora uma boa mudança de tática, e além disso eles tinham sido gentis e respeitosos, mas em vão: Moira não cedera nem uma polegada.
- E, como o senhor disse que não tinha problema em ir lá, eu acho que ela está errada dessa vez – concluiu Padraig. – Acho que devia deixar eu fazer uma visita. Ainda mais porque eu sempre quis saber como é o Castelo por dentro.
- Ah, sim... Vale a pena. – O Preste parecia refletir. – Bem, meu filho, acho que entendo o que se passa com sua mãe. Ela tem receio, sabe? Receio do que os magos possam fazer ou dizer a você. E não deve culpá-la por isso: houve muitas situações em que a Magia foi usada para o Mal. Mas nestes anos em que estou no Conselho vim a conhecer muito bem o Mentor da Escola de Artes Mágicas, e sei que ele não agasalharia nenhuma serpente no peito, por isso... acho que sei o que fazer. – Ergueu a cabeça, olhando com ar satisfeito para o menino. – Eu tenho de ir ao Castelo, dentro de um ou dois dias, para tratar dos impostos devidos aos herdeiros do Senhor Theoddor. Acho que sua mãe não se oporá se pedir para você vir comigo.
- Sério? O senhor vai fazer isso mesmo? - Um calor, como a explosão de um sol, encheu o peito de Padraig. - Vai me levar ao Castelo das Águias e... deixar eu falar com os mestres?
- Vou, sim. Não estou dizendo? Mas, olhe, não crie tantas expectativas – sorriu o Preste, com benevolência. – Pelo que sei de você, creio que Moira tem razão, e não o Mestre Kieran. A Escola dos magos não é o seu lugar. No Templo, como um sacerdote, ou fora dele, como um trabalhador e futuro pai de família... você nasceu para servir a Deus, Padraig. E nada do que os magos lhe digam o afastará desse caminho.
Parte 5
O tom agudo na voz de Padraig traía sua frustração. Moira não se voltou para responder. Perto do meio-dia, havia muito que fazer na cozinha da “Espada e o Lírio”, e ela já perdera tempo demais. Não tinha cabimento explicar as mesmas coisas pela segunda vez.
- Você ouviu o que eu disse à tal Mestre Sophia – foi sua única concessão à insistência do filho. – Não tenho nada contra eles em princípio. Mas o Castelo não é lugar para um menino como você. E o assunto está encerrado – acrescentou, como se adivinhasse que haveria uma réplica.
Padraig apertou os lábios para não retrucar. Em geral não tinha problemas para aceitar a autoridade de Moira – ela era experiente, sabia o que dizia, e além do mais era sua mãe – mas ele ouvira os argumentos dos magos do Castelo, e, cada um ao seu modo, todos pareciam convincentes. Não que acreditasse que possuía um grande Dom, como insistira o Mestre Kieran, mas, por outro lado, não lhe faria mal conhecer a Escola. Muitos garotos de sua idade viviam lá, inclusive humanos de sangue puro, confiados aos mestres por suas famílias. Alguns até apareciam no Templo com certa frequência, provando que o convívio com os magos não os afastara de Deus e dos Heróis. Por que, então, a mãe lhe proibira até uma visita? Essa era a coisa mais injusta que ela já fizera com ele.
- Já que está aí com essa carranca, faça algo de útil – Moira tampou a panela que estivera mexendo e, finalmente, olhou para o filho. – Leve as geleias para o Templo. Irmão Brenn voltou a me lembrar disso no Dia de Descanso, por isso não quero esperar pelo próximo.
Dizendo isso, ela apontou para um canto da cozinha, onde havia uma cesta cheia de potes lacrados com cera. Cada um continha uma boa quantidade das famosas geleias de Moira, de cereja-brava, amora e marmelos dos pomares de Vrindavahn, e até algumas exóticas, feitas com figos e damascos vendidos por mercadores do Leste. As frutas eram caras e dava trabalho fazer as geleias, mas Moira conseguia um bom lucro vendendo-as para os fregueses da estalagem. Só os Prestes ganhavam alguns potes de graça.
Padraig ergueu a cesta para o ombro e se endireitou com um resmungo. Não porque estivesse pesado: ele ainda estava aborrecido com a mãe. No entanto, uma parte da irritação se dissipou ao sair e dar com a rua cheia de sol, pessoas parecendo satisfeitas e a visão do templo, a apenas alguns passos de sua casa, pronto a acolhê-lo, como sempre fizera, quando se sentia triste ou em dúvida. Seria esse o caso de hoje? Com doze anos, e sendo um devoto de Thonarr, Padraig não demorou a decidir que sim.
E, assim que decidiu, soube quem poderia ajudá-lo.
A entrada do templo era franqueada a todos os devotos, assim como a nave principal e os altares nas laterais. Uma pequena porta dava acesso aos aposentos internos, e esta era guardada por um funcionário, a quem se devia informar a finalidade da visita. Padraig, no entanto, era uma das pessoas mais assíduas por ali, e as geleias podiam ser farejadas de longe, por isso o guardião apenas sorriu e lhe indicou o corredor que levava à residência dos Prestes.
- Guarde um pouco da de figo para mim, hem? – recomendou, com uma piscadela. Padraig prometeu que guardaria e seguiu caminho. Teria ido direto à despensa se algo não lhe houvesse chamado a atenção: passando junto a uma fileira de pilares, viu que estavam cercados por andaimes, e que uma feia rachadura aparecera na base do andar superior. Espero que não caia, pensou o menino, e por via das dúvidas passou ao largo.
As geleias foram recebidas com entusiasmo pelo despenseiro, Irmão Brenn, que Padraig encontrou conferindo uma lista de suprimentos na cozinha. Era um homem de meia-idade, muito magro – coisa rara de se ver, num cargo como o seu – e bastante simpático, o que deixou Padraig à vontade para perguntar pelo Superior da congregação.
- Preste Drusius? Voltou agora mesmo do Conselho e foi para a cela. Espere um pouco que ele deve passar por aqui. Provavelmente não comeu, e já limparam o refeitório... Ah, ah, olhe! Isso é que é um garoto de sorte! – concluiu, apontando para a porta, por onde o Preste Drusius acabava de entrar.
De estatura média e mais para magro, com a longa barba começando a encanecer, o Preste não era um homem imponente à primeira vista. Era, no entanto, um dos mais importantes de Vrindavahn: superior do Templo de Bragi, o maior da cidade, e líder do Conselho eleito pelos habitantes. Isso ocupava muito do seu tempo, mas mesmo assim ele era acessível, dispondo-se a ouvir – desde que as resumissem – as dúvidas e queixas dos fiéis e lhes dar conselhos. Gostava especialmente dos jovens, muitos dos quais tinham feito os primeiros estudos na pequena escola mantida pelo Templo. Padraig fora um deles até o ano anterior, e, desde aquela época, se habituara a recorrer ao Preste Drusius quando precisava de respostas.
Isso, é claro, nas raras vezes em que as preces a Thonarr não eram o bastante.
- Você parece inquieto, Padraig – notou o Preste, após terem tocado cumprimentos. – Aconteceu alguma coisa?
- Mais ou menos. Eu tenho... umas perguntas que queria fazer ao senhor. Posso?
- Claro que sim, filho. Sente-se aqui – disse o Preste, acomodando-se num banco de madeira diante da mesa. O espaço à sua frente fora desocupado por um dos ajudantes de cozinha, que acabara de voltar trazendo pão, queijo e uma travessa fumegante de guisado. Padraig se sentou ao lado do Preste, mas recusou o convite para comer, embora ainda faltasse mais de uma hora para o almoço na estalagem. Mesmo ressentido com ela, mil vezes a comida de sua mãe à do Irmão cozinheiro.
- Então o que houve? – perguntou, solícito, o Preste Drusius. – Não venha me dizer que, com essa idade, já está apaixonado... Não é isso, é?
- Não, Preste. – O sangue tingiu de leve as faces do menino. – É minha mãe. Quer dizer, é uma coisa que eu queria fazer, mas ela não permite e não entendo a razão, por isso... queria saber, o senhor acha que seria errado eu visitar o Castelo das Águias?
- Errado, visitar o Castelo? Mas por quê? – O Preste franziu a testa, exatamente como Padraig esperava que fizesse. – Eles têm uma Escola de Magia, os ensinamentos nem sempre se coadunam com a doutrina do Templo, mas todos que conheço de lá são boas pessoas. E o Castelo em si é belíssimo. Especialmente a parte antiga. É um pedaço da história de Vrindavahn desde a fundação.
- Então, se alguém me convidasse, o senhor acha que eu poderia ir, não é? – Padraig voltou ao assunto. – Que não haveria problema numa visita?
- Hum... não, sinceramente não vejo problema – disse o Preste, cofiando a barba. – Mas quem o convidou? Fez amizade com algum aprendiz?
- Não. Foram os mestres – respondeu o garoto.
Os olhos do Preste se estreitaram com incredulidade. Padraig, então, se pôs a contar a história desde o início, incluindo o episódio com o cão – que atraíra a atenção de Kieran – e terminando com a visita de Finn e Sophia, que, percebendo a relutância de sua mãe, tinham passado a insistir para que o menino apenas visitasse o Castelo das Águias. Fora uma boa mudança de tática, e além disso eles tinham sido gentis e respeitosos, mas em vão: Moira não cedera nem uma polegada.
- E, como o senhor disse que não tinha problema em ir lá, eu acho que ela está errada dessa vez – concluiu Padraig. – Acho que devia deixar eu fazer uma visita. Ainda mais porque eu sempre quis saber como é o Castelo por dentro.
- Ah, sim... Vale a pena. – O Preste parecia refletir. – Bem, meu filho, acho que entendo o que se passa com sua mãe. Ela tem receio, sabe? Receio do que os magos possam fazer ou dizer a você. E não deve culpá-la por isso: houve muitas situações em que a Magia foi usada para o Mal. Mas nestes anos em que estou no Conselho vim a conhecer muito bem o Mentor da Escola de Artes Mágicas, e sei que ele não agasalharia nenhuma serpente no peito, por isso... acho que sei o que fazer. – Ergueu a cabeça, olhando com ar satisfeito para o menino. – Eu tenho de ir ao Castelo, dentro de um ou dois dias, para tratar dos impostos devidos aos herdeiros do Senhor Theoddor. Acho que sua mãe não se oporá se pedir para você vir comigo.
- Sério? O senhor vai fazer isso mesmo? - Um calor, como a explosão de um sol, encheu o peito de Padraig. - Vai me levar ao Castelo das Águias e... deixar eu falar com os mestres?
- Vou, sim. Não estou dizendo? Mas, olhe, não crie tantas expectativas – sorriu o Preste, com benevolência. – Pelo que sei de você, creio que Moira tem razão, e não o Mestre Kieran. A Escola dos magos não é o seu lugar. No Templo, como um sacerdote, ou fora dele, como um trabalhador e futuro pai de família... você nasceu para servir a Deus, Padraig. E nada do que os magos lhe digam o afastará desse caminho.
Parte 5
segunda-feira, 5 de março de 2012
Em Nome de Thonarr (Parte 3)
- Vai, Kieran, conte de novo – pediu Finn, com um riso nos cantos dos lábios. – Quero lembrar com todos os detalhes de como você foi expulso da estalagem por uma mulher de caçarola em punho.
- Não fui expulso. Ela apenas se recusou a me ouvir – replicou o Mestre de Magia do Pensamento. – Disse que o filho não viria ao Castelo e, quando insisti, deu-me as costas e começou a cozinhar. Foi uma espécie de insulto, é verdade. Mas não foi como você está dizendo.
- Que pena! Teria sido mais divertido – concluiu Finn, piscando para Sophia. Estavam no jardim de ervas, um grande espaço cultivado por trás da Ala Verde, cercados por aprendizes que trabalhavam nos canteiros. Quase todos eram do Segundo Círculo, portanto já treinados no que faziam, mas poucos demonstravam entusiasmo: as Artes da Cura não tinham muitos adeptos no Castelo das Águias. Mesmo assim, os jovens cumpriam aplicadamente suas tarefas, julgando-se observados pelos mestres a pequena distância. Mal sabiam que a conversa há muito os levara para longe dali.
- Insulto ou não, o importante é que temos um rapaz com um Dom promissor – Sophia resumiu a questão. – E cuja mãe, ao que parece, tem medo de qualquer coisa que cheire a Magia.
- Isso apesar do Kieran e de seus incríveis talentos diplomáticos – disse Finn, mas em seguida passou a falar sério. – Esse receio é comum entre as pessoas do povo. Fora das Onze Cidades – e talvez até em algumas delas – nós somos respeitados, mas, infelizmente, continuamos a ser temidos. E isso é ainda pior entre os adeptos desse Deus único.
- O rapaz manifestou sua vontade através do nome de Thonarr – lembrou Kieran. – Tem fé no Herói e não em si próprio. Ele precisa de alguém que o oriente.
- Se quiser ser orientado – disse Finn.
- Mas ele quer - replicou o outro. – Eu vi o brilho nos olhos dele quando falei com a mãe, e como ficou desapontado quando ela não permitiu que me acompanhasse. Pode ser só curiosidade por enquanto, mas o garoto está disposto a saber mais. Pelas regras...
- ... É nosso dever oferecer aprendizado aos que buscam o Caminho – Sophia citou a regra que todos aprendiam ao alcançar a o Terceiro Círculo. – Não sei se é bem esse o caso, Kieran, mas concordo com o que você disse no início. Toda criança que demonstra o Dom inato deve ter a orientação de um mago, e, como os mais próximos, cabe a nós oferecê-la a esse menino. E vamos fazer isso, sem dúvida. Quanto à mãe dele, deixe comigo; não creio que seja tão difícil convencê-la. É só colocar as coisas do jeito certo.
Olhou de esguelha para Kieran, que resmungou alguma coisa por entre os dentes e não respondeu. Tinha consciência de sua brusquidão – direto e seco demais, autoritário algumas vezes – mas suas demandas quase sempre eram atendidas, e ele não sabia o que dera errado com a mãe de Padraig. Tinham sido seus modos ao entrar na cozinha e se dirigir sem rodeios a ela? Ou era o que representava – a Magia, que punha acima de tudo a força do pensamento e ignorava a fé dos Homens em seu Deus?
Fosse como fosse, ele não tivera sucesso, e, embora houvesse relutado em lhes contar a história, sentia-se aliviado com o apoio de Finn e Sophia. Pelos preceitos da Escola e pelos da própria Magia, um jovem nascido com o Dom devia ter uma chance de desenvolvê-lo, portanto eles iriam à estalagem – um casal de embaixadores sorridentes, bem mais hábeis que o antigo Mestre das Águias – e usariam seu poder de persuasão com a mãe de Padraig. Se tudo desse certo, o garoto ingressaria no Primeiro Círculo, um nível ainda muito básico dos estudos, mas nada impedia que um dos mestres de Magia o acompanhasse mais de perto. E como os modos do rapaz não indicassem um temperamento afeito à Magia da Forma, nem um futuro alquimista ou curandeiro, tudo indicava que esse mestre seria Kieran de Scyllix.
A não ser que estivessem diante de um caso raro, muito improvável em se tratando de um garoto sem mescla de sangue élfico.
E, se assim fosse, a vinda de Padraig para a Escola se tornava ainda mais importante.
Parte 4
- Não fui expulso. Ela apenas se recusou a me ouvir – replicou o Mestre de Magia do Pensamento. – Disse que o filho não viria ao Castelo e, quando insisti, deu-me as costas e começou a cozinhar. Foi uma espécie de insulto, é verdade. Mas não foi como você está dizendo.
- Que pena! Teria sido mais divertido – concluiu Finn, piscando para Sophia. Estavam no jardim de ervas, um grande espaço cultivado por trás da Ala Verde, cercados por aprendizes que trabalhavam nos canteiros. Quase todos eram do Segundo Círculo, portanto já treinados no que faziam, mas poucos demonstravam entusiasmo: as Artes da Cura não tinham muitos adeptos no Castelo das Águias. Mesmo assim, os jovens cumpriam aplicadamente suas tarefas, julgando-se observados pelos mestres a pequena distância. Mal sabiam que a conversa há muito os levara para longe dali.
- Insulto ou não, o importante é que temos um rapaz com um Dom promissor – Sophia resumiu a questão. – E cuja mãe, ao que parece, tem medo de qualquer coisa que cheire a Magia.
- Isso apesar do Kieran e de seus incríveis talentos diplomáticos – disse Finn, mas em seguida passou a falar sério. – Esse receio é comum entre as pessoas do povo. Fora das Onze Cidades – e talvez até em algumas delas – nós somos respeitados, mas, infelizmente, continuamos a ser temidos. E isso é ainda pior entre os adeptos desse Deus único.
- O rapaz manifestou sua vontade através do nome de Thonarr – lembrou Kieran. – Tem fé no Herói e não em si próprio. Ele precisa de alguém que o oriente.
- Se quiser ser orientado – disse Finn.
- Mas ele quer - replicou o outro. – Eu vi o brilho nos olhos dele quando falei com a mãe, e como ficou desapontado quando ela não permitiu que me acompanhasse. Pode ser só curiosidade por enquanto, mas o garoto está disposto a saber mais. Pelas regras...
- ... É nosso dever oferecer aprendizado aos que buscam o Caminho – Sophia citou a regra que todos aprendiam ao alcançar a o Terceiro Círculo. – Não sei se é bem esse o caso, Kieran, mas concordo com o que você disse no início. Toda criança que demonstra o Dom inato deve ter a orientação de um mago, e, como os mais próximos, cabe a nós oferecê-la a esse menino. E vamos fazer isso, sem dúvida. Quanto à mãe dele, deixe comigo; não creio que seja tão difícil convencê-la. É só colocar as coisas do jeito certo.
Olhou de esguelha para Kieran, que resmungou alguma coisa por entre os dentes e não respondeu. Tinha consciência de sua brusquidão – direto e seco demais, autoritário algumas vezes – mas suas demandas quase sempre eram atendidas, e ele não sabia o que dera errado com a mãe de Padraig. Tinham sido seus modos ao entrar na cozinha e se dirigir sem rodeios a ela? Ou era o que representava – a Magia, que punha acima de tudo a força do pensamento e ignorava a fé dos Homens em seu Deus?
Fosse como fosse, ele não tivera sucesso, e, embora houvesse relutado em lhes contar a história, sentia-se aliviado com o apoio de Finn e Sophia. Pelos preceitos da Escola e pelos da própria Magia, um jovem nascido com o Dom devia ter uma chance de desenvolvê-lo, portanto eles iriam à estalagem – um casal de embaixadores sorridentes, bem mais hábeis que o antigo Mestre das Águias – e usariam seu poder de persuasão com a mãe de Padraig. Se tudo desse certo, o garoto ingressaria no Primeiro Círculo, um nível ainda muito básico dos estudos, mas nada impedia que um dos mestres de Magia o acompanhasse mais de perto. E como os modos do rapaz não indicassem um temperamento afeito à Magia da Forma, nem um futuro alquimista ou curandeiro, tudo indicava que esse mestre seria Kieran de Scyllix.
A não ser que estivessem diante de um caso raro, muito improvável em se tratando de um garoto sem mescla de sangue élfico.
E, se assim fosse, a vinda de Padraig para a Escola se tornava ainda mais importante.
Parte 4
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
A Encruzilhada: prequel de "O Castelo das Águias" já em Kindle!
Pessoas,
Acho que a maioria de vocês conhece o conto "A Encruzilhada", publicado no primeiro volume da série Imaginários, da Editora Draco. Trata-se de uma prequel, ou seja, uma história que se passa antes daquela narrada em "O Castelo das Águias", e onde Kieran de Scyllix aparece em plena adolescência.
O conto foi bastante elogiado, mas o mais importante para mim é que ele marcou o início do meu relacionamento com a editora. Foi no lançamento de "Imaginários" que conheci o editor Erick Sama - aquele que nunca dorme - e combinamos que eu lhe enviaria meu romance inédito para análise. Tratava-se da primeira versão de "O Castelo das Águias", que foi lida, discutida e em boa parte reescrita para se converter no livro que, esse sim, vocês todos com certeza já conhecem.
Pois bem, esta semana a editora - que já havia disponibilizado o livro nos formatos Kindle e e-book - passou também "A Encruzilhada" para o Kindle, dentro da proposta da série "Contos do Dragão" Basta clicar aqui para ter acesso à obra, pronta para leitura no tablet, por apenas $ 0,99.
E, o mais importante, entender melhor o Kieran, protagonista de "O Castelo das Águias" e narrador do livro 2 da saga, do qual em breve se terá notícia.
Nos encontramos lá!
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
O Castelo das Águias no Gato Sabido!
Pessoas Queridas,
Anuncio mais uma ótima oportunidade para quem prefere ler o livro no formato e-book. Agora, "O Castelo das Águias" está disponível também através do Gato Sabido, por apenas R$ 9,90. Pelo mesmo preço você encontra ainda outras obras da Editora Draco, tais como "Neon Azul", "A Corrente" e "O Baronato de Shoah".
Confira. Você vai gostar!
sábado, 4 de fevereiro de 2012
O Castelo das Águias agora em Formato Kindle!
Pessoas queridas,
Interrompo esta série para anunciar, com muito orgulho, a versão de "O Castelo das Águias" para o Kindle.
A exemplo de outros livros da Editora Draco - que, além dos romances, disponibiliza também edições online de vários contos publicados em suas antologias - meu romance pode ser adquirido através da Amazon por apenas $ 4,99, bastando clicar aqui.
Para quem ainda está na dúvida, a opção "look inside", permite ler algumas páginas do texto e visualizar o mapa feito pelo editor Erick Sama.
Nos vemos em Athelgard!
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
Em Nome de Thonarr (Parte 2)
Sua primeira reação foi correr, mas de alguma forma ele conseguiu se dominar e se manter firme. O cão eriçou o pelo e arreganhou ainda mais os dentes, olhando-o com olhos avermelhados e de pupilas fixas. Não está raivoso , refletiu Padraig, mas outra coisa lhe ocorreu em seguida: Assim mesmo, pode estar zangado ou enlouquecido e me atacar, sem nenhuma razão.
Apreensivo, ele tentou manter a calma enquanto recuava, bem devagar, a mão tateando à sua volta em busca de alguma coisa com a qual se defender. Seu pé, no entanto, mal voltara a tocar o chão quando o animal avançou, e só um reflexo surgido do puro instinto o fez desviar o corpo e se esgueirar para trás do barril. Mandíbulas se fecharam a uma polegada de sua coxa; ele previu uma nova investida e saltou para o lado, uma onda incandescente de energia percorrendo-o dos pés à cabeça.
- Em nome de Thonarr! O que está querendo? – bradou, dirigindo-se ao animal. Seu corpo inteiro parecia vibrar, uma sensação estranha, mas ele conseguiu ignorá-la. Tinha de estar pronto para mais um salto ou para sair em disparada assim que o cão se movesse. Este, porém, continuou na mesma posição, fitando-o com olhos em que a fúria dera lugar a uma espécie de estranhamento.
- Então, desistiu? – tornou Padraig, seu próprio tom abrandando diante da atitude do animal. – Percebeu que não sou muito apetitoso? Ou espera que lhe dê comida? Posso conseguir umas sobras do almoço.
Dizendo isso, ele estendeu a mão, embora estivesse pronto para recolhê-la ao menor sinal de hostilidade. O cão tinha parado de rosnar e continuava imóvel, o olhar fixo não no rosto de Padraig, mas sim num ponto mais abaixo, onde a réplica do martelo de Thonarr pendia de seu pescoço. O menino o percebeu e sorriu, sentindo-se ao mesmo tempo protegido e tão magnânimo quanto seu Herói.
- Foi para isso que você entrou, não foi? – perguntou, apoiando-se no barril de vinho. – Sentiu o cheiro da comida e veio atrás. Bom, minha mãe não vai querê-lo na cozinha, por isso você tem que me esperar aqui no pátio. A não ser... que o seu dono tenha vindo também, não é? – acrescentou, endireitando-se à visão do homem com a jaqueta de couro. Sem que Padraig houvesse notado, ele saíra do estábulo e se aproximava a passos largos, olhos e boca apertados, as sobrancelhas franzidas sobre um nariz de águia.
- Esse animal – falou, de longe, em tom urgente. – Não é seu, nem de algum amigo ou vizinho, certo?
- Não, senhor. – respondeu o menino. – E me desculpe se ele lhe pertence. Eu ia dar comida, porque...
- Eu vi! Ele estava prestes a lhe arrancar um pedaço – replicou o homem. – Eu ia intervir, mas você... Bom, não sei bem o que fez, mas vou descobrir. Qual é o seu nome?
- Padraig. Sou aqui da “Espada e o Lírio” – o garoto achou melhor explicar. – E, juro, não fiz nada contra seu cão.
- Sei que não fez, e de qualquer forma ele não é meu. – Cruzou os braços, deixando em evidência um belo anel em forma de serpente. – Você estava certo ao supor que ele entrou atrás de comida. Provavelmente é um desses cães que são mantidos famintos a fim de que se tornem ferozes.
- E se soltou, e acabou entrando na estalagem – concluiu Padraig. – Que sorte eu tive de ele não me estraçalhar!
- Sorte? Não, rapaz. Isso foi outra coisa. Foi poder - afirmou o estranho. Seus olhos negros, agora bem abertos, esquadrinharam o rosto do menino, depois desceram, detendo-se por alguns instantes no pequeno martelo de bronze. Então, brilharam como dois sóis.
- O Senhor do Raio – murmurou, como que para si mesmo. – Nunca pensei que alguém pudesse usar seu nome como canal. Você tem muita fé, garoto... e o Dom inato também. Já lhe disseram isso?
- Acho que não – respondeu Padraig, confuso. – Não entendi o que o senhor acabou de dizer.
- Vai entender, quando eu explicar. Mas não há pressa: pode levar esse barril lá para dentro e alimentar o pobre do cão. – Apontou para o animal, que saíra daquela espécie de transe e aguardava deitado sobre as patas. – Preciso conversar com algumas pessoas, um assunto urgente... O Comandante Owen está aí?
- Está, sim. – Uma tomada de ar, um sobressalto: Padraig acabava de entender. – O senhor é quem ele estava esperando? O mago do Castelo das Águias?
- Isso mesmo. Sou Kieran de Scyllix – disse o estranho, fitando-o como se o avaliasse. – E eu diria que já pode me chamar de Mestre Kieran.
Parte 3
Apreensivo, ele tentou manter a calma enquanto recuava, bem devagar, a mão tateando à sua volta em busca de alguma coisa com a qual se defender. Seu pé, no entanto, mal voltara a tocar o chão quando o animal avançou, e só um reflexo surgido do puro instinto o fez desviar o corpo e se esgueirar para trás do barril. Mandíbulas se fecharam a uma polegada de sua coxa; ele previu uma nova investida e saltou para o lado, uma onda incandescente de energia percorrendo-o dos pés à cabeça.
- Em nome de Thonarr! O que está querendo? – bradou, dirigindo-se ao animal. Seu corpo inteiro parecia vibrar, uma sensação estranha, mas ele conseguiu ignorá-la. Tinha de estar pronto para mais um salto ou para sair em disparada assim que o cão se movesse. Este, porém, continuou na mesma posição, fitando-o com olhos em que a fúria dera lugar a uma espécie de estranhamento.
- Então, desistiu? – tornou Padraig, seu próprio tom abrandando diante da atitude do animal. – Percebeu que não sou muito apetitoso? Ou espera que lhe dê comida? Posso conseguir umas sobras do almoço.
Dizendo isso, ele estendeu a mão, embora estivesse pronto para recolhê-la ao menor sinal de hostilidade. O cão tinha parado de rosnar e continuava imóvel, o olhar fixo não no rosto de Padraig, mas sim num ponto mais abaixo, onde a réplica do martelo de Thonarr pendia de seu pescoço. O menino o percebeu e sorriu, sentindo-se ao mesmo tempo protegido e tão magnânimo quanto seu Herói.
- Foi para isso que você entrou, não foi? – perguntou, apoiando-se no barril de vinho. – Sentiu o cheiro da comida e veio atrás. Bom, minha mãe não vai querê-lo na cozinha, por isso você tem que me esperar aqui no pátio. A não ser... que o seu dono tenha vindo também, não é? – acrescentou, endireitando-se à visão do homem com a jaqueta de couro. Sem que Padraig houvesse notado, ele saíra do estábulo e se aproximava a passos largos, olhos e boca apertados, as sobrancelhas franzidas sobre um nariz de águia.
- Esse animal – falou, de longe, em tom urgente. – Não é seu, nem de algum amigo ou vizinho, certo?
- Não, senhor. – respondeu o menino. – E me desculpe se ele lhe pertence. Eu ia dar comida, porque...
- Eu vi! Ele estava prestes a lhe arrancar um pedaço – replicou o homem. – Eu ia intervir, mas você... Bom, não sei bem o que fez, mas vou descobrir. Qual é o seu nome?
- Padraig. Sou aqui da “Espada e o Lírio” – o garoto achou melhor explicar. – E, juro, não fiz nada contra seu cão.
- Sei que não fez, e de qualquer forma ele não é meu. – Cruzou os braços, deixando em evidência um belo anel em forma de serpente. – Você estava certo ao supor que ele entrou atrás de comida. Provavelmente é um desses cães que são mantidos famintos a fim de que se tornem ferozes.
- E se soltou, e acabou entrando na estalagem – concluiu Padraig. – Que sorte eu tive de ele não me estraçalhar!
- Sorte? Não, rapaz. Isso foi outra coisa. Foi poder - afirmou o estranho. Seus olhos negros, agora bem abertos, esquadrinharam o rosto do menino, depois desceram, detendo-se por alguns instantes no pequeno martelo de bronze. Então, brilharam como dois sóis.
- O Senhor do Raio – murmurou, como que para si mesmo. – Nunca pensei que alguém pudesse usar seu nome como canal. Você tem muita fé, garoto... e o Dom inato também. Já lhe disseram isso?
- Acho que não – respondeu Padraig, confuso. – Não entendi o que o senhor acabou de dizer.
- Vai entender, quando eu explicar. Mas não há pressa: pode levar esse barril lá para dentro e alimentar o pobre do cão. – Apontou para o animal, que saíra daquela espécie de transe e aguardava deitado sobre as patas. – Preciso conversar com algumas pessoas, um assunto urgente... O Comandante Owen está aí?
- Está, sim. – Uma tomada de ar, um sobressalto: Padraig acabava de entender. – O senhor é quem ele estava esperando? O mago do Castelo das Águias?
- Isso mesmo. Sou Kieran de Scyllix – disse o estranho, fitando-o como se o avaliasse. – E eu diria que já pode me chamar de Mestre Kieran.
Parte 3
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