Sua primeira reação foi correr, mas de alguma forma ele conseguiu se dominar e se manter firme. O cão eriçou o pelo e arreganhou ainda mais os dentes, olhando-o com olhos avermelhados e de pupilas fixas. Não está raivoso , refletiu Padraig, mas outra coisa lhe ocorreu em seguida: Assim mesmo, pode estar zangado ou enlouquecido e me atacar, sem nenhuma razão.
Apreensivo, ele tentou manter a calma enquanto recuava, bem devagar, a mão tateando à sua volta em busca de alguma coisa com a qual se defender. Seu pé, no entanto, mal voltara a tocar o chão quando o animal avançou, e só um reflexo surgido do puro instinto o fez desviar o corpo e se esgueirar para trás do barril. Mandíbulas se fecharam a uma polegada de sua coxa; ele previu uma nova investida e saltou para o lado, uma onda incandescente de energia percorrendo-o dos pés à cabeça.
- Em nome de Thonarr! O que está querendo? – bradou, dirigindo-se ao animal. Seu corpo inteiro parecia vibrar, uma sensação estranha, mas ele conseguiu ignorá-la. Tinha de estar pronto para mais um salto ou para sair em disparada assim que o cão se movesse. Este, porém, continuou na mesma posição, fitando-o com olhos em que a fúria dera lugar a uma espécie de estranhamento.
- Então, desistiu? – tornou Padraig, seu próprio tom abrandando diante da atitude do animal. – Percebeu que não sou muito apetitoso? Ou espera que lhe dê comida? Posso conseguir umas sobras do almoço.
Dizendo isso, ele estendeu a mão, embora estivesse pronto para recolhê-la ao menor sinal de hostilidade. O cão tinha parado de rosnar e continuava imóvel, o olhar fixo não no rosto de Padraig, mas sim num ponto mais abaixo, onde a réplica do martelo de Thonarr pendia de seu pescoço. O menino o percebeu e sorriu, sentindo-se ao mesmo tempo protegido e tão magnânimo quanto seu Herói.
- Foi para isso que você entrou, não foi? – perguntou, apoiando-se no barril de vinho. – Sentiu o cheiro da comida e veio atrás. Bom, minha mãe não vai querê-lo na cozinha, por isso você tem que me esperar aqui no pátio. A não ser... que o seu dono tenha vindo também, não é? – acrescentou, endireitando-se à visão do homem com a jaqueta de couro. Sem que Padraig houvesse notado, ele saíra do estábulo e se aproximava a passos largos, olhos e boca apertados, as sobrancelhas franzidas sobre um nariz de águia.
- Esse animal – falou, de longe, em tom urgente. – Não é seu, nem de algum amigo ou vizinho, certo?
- Não, senhor. – respondeu o menino. – E me desculpe se ele lhe pertence. Eu ia dar comida, porque...
- Eu vi! Ele estava prestes a lhe arrancar um pedaço – replicou o homem. – Eu ia intervir, mas você... Bom, não sei bem o que fez, mas vou descobrir. Qual é o seu nome?
- Padraig. Sou aqui da “Espada e o Lírio” – o garoto achou melhor explicar. – E, juro, não fiz nada contra seu cão.
- Sei que não fez, e de qualquer forma ele não é meu. – Cruzou os braços, deixando em evidência um belo anel em forma de serpente. – Você estava certo ao supor que ele entrou atrás de comida. Provavelmente é um desses cães que são mantidos famintos a fim de que se tornem ferozes.
- E se soltou, e acabou entrando na estalagem – concluiu Padraig. – Que sorte eu tive de ele não me estraçalhar!
- Sorte? Não, rapaz. Isso foi outra coisa. Foi poder - afirmou o estranho. Seus olhos negros, agora bem abertos, esquadrinharam o rosto do menino, depois desceram, detendo-se por alguns instantes no pequeno martelo de bronze. Então, brilharam como dois sóis.
- O Senhor do Raio – murmurou, como que para si mesmo. – Nunca pensei que alguém pudesse usar seu nome como canal. Você tem muita fé, garoto... e o Dom inato também. Já lhe disseram isso?
- Acho que não – respondeu Padraig, confuso. – Não entendi o que o senhor acabou de dizer.
- Vai entender, quando eu explicar. Mas não há pressa: pode levar esse barril lá para dentro e alimentar o pobre do cão. – Apontou para o animal, que saíra daquela espécie de transe e aguardava deitado sobre as patas. – Preciso conversar com algumas pessoas, um assunto urgente... O Comandante Owen está aí?
- Está, sim. – Uma tomada de ar, um sobressalto: Padraig acabava de entender. – O senhor é quem ele estava esperando? O mago do Castelo das Águias?
- Isso mesmo. Sou Kieran de Scyllix – disse o estranho, fitando-o como se o avaliasse. – E eu diria que já pode me chamar de Mestre Kieran.
Parte 3
legal, Ana. Um mago já apareceu. Agora falta o resto.
ResponderExcluirbjs
vânia
Kieran e sempre seus arquétipos tão interessantes quanto apaixonantes. *.* Pois é, Esse Padraig tem O dom mesmo, de ser simpático, forte e simples: ótima combinação pra se gostar de um personagem de logo de cara.
ResponderExcluirBeijos da sobrinha que te adora,
Ana