Razek era um garoto cheio de raiva. Fora essa a conclusão do Preste de sua aldeia, que tentara aconselhá-lo a pedido da família; era essa a imagem de si mesmo que tinha trazido para o Castelo das Águias, onde chegara há quatro anos, depois que um mago viajante enxergou nele traços do Dom. Foi uma surpresa para todos e uma alegria para seus pais, incapazes de lidar com tanta revolta mal contida no corpo do menino de doze anos. Para piorar, nem era um corpo forte, a menos que se comparasse apenas com os outros meio-elfos. Diante dos garotos humanos era uma lástima, um magricela que não ganhava uma única briga, e as zombarias e humilhações faziam sua vida negra.
- Deixe eles para lá – aconselhava seu irmão, quando o via chorar de raiva. – Eles são fortes agora, mas vão envelhecer mais rápido e morrer antes da gente. Veja o avô, com quase cem anos de idade e ainda à frente da oficina. Vamos ficar como ele, enquanto os outros vão estar enrugados e trêmulos. Não é uma boa vingança?
- Não é, não. Para ser boa tinha que ser agora – dizia Razek.
Pensando dessa forma, era natural que encarasse a ida para a Escola de Artes Mágicas não apenas como uma oportunidade, mas também como uma forma de dar o troco aos desafetos de infância. Ansiava pelo dia em que voltaria à aldeia, poderoso em seu manto de estrelas, para ser temido e admirado por todos. É claro que boa parte desses planos eram pura criancice. As ilusões acerca da Magia se dissiparam nas primeiras luas, quando compreendeu que só progrediria através de muito estudo e trabalho duro. Quanto aos mantos vistosos, eram apenas para os idiotas. À exceção dos trajes rituais, magos de verdade usavam roupas simples, como as de Mestre Kieran. Era a ele, agora, que Razek procurava impressionar.
E, além do professor – bom, talvez houvesse mais alguém.
Razek espiou sobre a lombada do livro aberto à sua frente. Como de costume, Tarja sentara na mesa seguinte em companhia de dois imbecis, Lear de Madrath e Gwyll, um meio-elfo de cabelos claros e sorriso fácil. Os três estavam com as cabeças unidas e liam o mesmo livro, cochichando em voz baixa, embora Mestre Kieran tivesse dito várias vezes que não gostava daquilo. Desta vez, porém, ele parecia não se importar. Talvez nem percebesse, ocupado em acompanhar os esforços de Nardus com os blocos de madeira. Tanta concentração e mal haviam se movido algumas polegadas. Como ele podia esperar mudar de Círculo no solstício de inverno?
- Bom. – A voz de Mestre Kieran parecia sair de uma caverna. – Não adianta forçar por hoje, Nardus, mas amanhã quero que treine antes do desjejum. Talvez ajude estar com a cabeça vazia. Sua vez, Tarja.
A moça se levantou, indo até a janela em cujo peitoral estavam os blocos de madeira. Era a única fonte de luz no aposento, um salão no segundo andar da torre que chamavam “da Magia” justamente por ser a sala de aula de Finn e Kieran. Como toda a Ala Azul, suas paredes eram de pedra, aumentando ainda mais o frio que entrava pela janela. Alguns aprendizes estavam encolhidos, e a própria Tarja esfregou as mãos antes de erguê-las suavemente sobre os blocos.
Kieran inclinou a cabeça, indicando que podia começar. Do seu lugar, Razek pôde ver os lábios da amiga se movendo, murmurando alguma fórmula destinada a concentrar sua energia. Gwyll e Lear tinham parado de falar e acompanhavam o exercício, mas a garota na mesa de trás não se conteve e se inclinou para sussurrar no ouvido de Razek:
- Eu acho que ela não consegue.
- Cala essa boca – foi a resposta imediata. Soou mais alta do que gostaria, atraindo o olhar de vários colegas e – para seu azar – o do próprio Kieran, que se voltou bruscamente e o encarou com o cenho franzido.
- Venha cá, você também – disse ele. Razek abriu a boca, pronto para protestar, mas alguma coisa na expressão do mestre o fez mudar de ideia. De cabeça baixa, envergonhado até os ossos, ele caminhou para a janela, sentindo o olhar dos companheiros em suas costas. Queimava como fogo, assim como a raiva dentro dele.
Por que não ficara de boca fechada?
.....
Continua na Parte 3!
Prevejo problemas.... problemas interessantes. =)
ResponderExcluirAdoro este conto, juntamente com o Da Encruzilhada, são os melhores feitos sobre a história do Castelo das Águias!
ResponderExcluirBeijão!
Finalmente consegui postar! Nem acredito! ahahaha!
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