sábado, 22 de setembro de 2012

Talismãs (Breve Epílogo com Ligeiríssimo Spoiler)


A clareira tinha sido limpa e decorada. Estavam no equinócio de outono, por isso não poderiam ter esquecido as frutas e espigas de grãos, mas também havia guirlandas de folhas, algumas com as flores da estação, em homenagem ao casamento. A que seria usada pela noiva era especial, toda florida, embora para isso tivessem precisado de um pouco de magia. Mas, por uma vez, não foi difícil conseguir a colaboração dos colegas do Segundo Círculo. Não era sempre que tinham uma ocasião como a de agora.

Freydis tinha ajudado a tecer a coroa, mas seu presente fora dado mais cedo: uma concha espiralada, semelhante àquela que ela ganhara da menina-foca, embora não tivesse vindo da mesma praia. A oferta fora recebida com carinho, mas permanecia em sua caixinha forrada à espera de ser transportada com outras bagagens para a moradia do casal. Agora, Freydis se juntara ao cortejo composto por boa parte das mulheres e meninas do Castelo, que seguiam a tradição de advertir a jovem prometida sobre o casamento.

- Você não sabe onde está se metendo. É só olhar para aquele homem e a gente sabe que ele não vai deixá-la dormir à noite – dizia Flora, mulher do mestre dos fantoches.

- Vai sim – contestou a cozinheira, Netta. – Ele não vai se importar com ela, e sabe por quê? Porque não vai ter tempo! Às vezes ele nem come, de tão ocupado!

- Deixe disso! Você sabe como ele gosta da sua sopa de lentilha – riu a noiva. Outras mulheres se aproximaram para apontar defeitos em seu futuro marido, algumas carregando nas tintas, mas sua convicção não parecia se abalar. Ela quer ficar com ele, de verdade, pensou Freydis, e no momento seguinte: e acho que ele também quer.

O prometido se aproximava por uma trilha mais estreita, coberta de folhas secas que estalavam sob seus pés descalços. Também ele era seguido por um cortejo, mas neste não havia meninos, só adultos e rapazes crescidos. Iam dizendo todo tipo de bobagens e rindo perdidamente, mas ele mesmo só sorriu uma vez - e o sorriso morreu em seu rosto quando, já a ponto de tomar a futura esposa pela mão, o mestre de Música se intrometeu entre eles, dizendo alguma coisa que o deixou visivelmente com raiva.

Toda a clareira prendeu o fôlego à espera da reação. Freydis, que se separara do grupo das mulheres, estava agora ao lado de Orm, e os dois respiraram aliviados quando a cerimônia seguiu conforme o previsto.

- Pensei que ele ia matar Mestre Urien com as próprias mãos - sussurrou o garoto.

Freydis abafou uma risadinha e voltou sua atenção às palavras do rito. Camdell era o oficiante, ajudado pelo xamã com o olho tatuado, que todos no Castelo acharam estranho durante exatamente um dia. Então se acostumaram e passaram a gostar dele. Vindo de outras terras, o xamã não conhecia as tradições das Terras Férteis, mas passou diligentemente a Camdell o laço para atar as mãos dos prometidos, depois o bolo de fruta, com o qual um após outro tiveram um leve engasgo.

- Viu só? Quem vai morrer, mais tarde, é você - sussurrou Freydis, cutucando o amigo nas costelas. - O bolo deve estar seco. Eu disse para usar a receita que leva vinho.

- Eles nem vão lembrar disso daqui a pouco - sorriu Orm.

Nesse momento, as últimas palavras do ritual eram proferidas, e todos aplaudiram quando o casal trocou um longo beijo. Urien, já a postos num canto da clareira, fez um sinal para os alunos encarregados da música, e a suave melodia de flauta que se ouvira até então foi substituída por uma canção festiva, com letra brincalhona e os sons alegres de gaita e de tamborim. Mestres, aprendizes e convidados começaram a se misturar uns aos outros e a dançar, inclusive - para o espanto de Freydis - os recém-casados, cada qual arrastado por um grupo para o meio de uma roda.

- Pensei que nunca veria isso - a menina apontou. - Ela, sim, é claro. Mas ele?

- Também pensei que nunca veria aquilo - disse Orm, fazendo um sinal na direção dos músicos. Entre vários aprendizes mais velhos, lá estava Andi, tocando e cantando diante de todos. Freydis teve uma exclamação de surpresa, depois sorriu, balançando a cabeça.

- Quem diria! Ele cumpriu a promessa de tocar, afinal!

- Assim como eu, com o bolo - disse Orm, e hesitou alguns momentos antes de prosseguir. - E você? Também vai cumprir sua promessa... e ir embora para conhecer os mares de Athelgard?

Freydis mordeu os lábios e não disse nada. Todo um mundo de possibilidades estava aberto à sua frente, e não queria voltar as costas a nenhuma delas. No entanto, desde que contara a história da menina-foca, o mar voltara a pulsar muito forte em suas veias, e ela fechou os olhos, quase conseguindo responder com certeza à pergunta do amigo.

Mas ainda não. Enquanto fosse tão jovem, tinha muito que aprender ali no Castelo, para que mais tarde essas coisas lhe servissem na vida de emoções e aventuras que esperava viver. Além disso, ainda havia muito para ela, ali mesmo, nos próximos anos: um tempo de semear perguntas e colher experiências.

E, é claro, fazer amigos.

Agora e para sempre, isso valia mais do que qualquer talismã.

....

E aí? Gostaram? Espero que sim, e que esse casamento os deixe curiosos... :)

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2 comentários:

  1. Pois eu adorei. E já que conheço o jovem casal... torço para que tudo dê certo.

    Beijos,
    Vânia

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  2. Ai, esse casamento <3 <3 <3....

    Que graça todas as promessa se cumprindo nesse momento... menos a da Freydis... ainda não!

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