quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Hora dos Guardiões : um prelúdio a "Anna e a Trilha Secreta".

   
     

        O dia ainda não nascera, e a clareira estava em silêncio. Os bichos noturnos tinham voltado às suas tocas e ninhos, e os outros dormiam a sono solto. Era um momento em que a estrela da manhã brilhava à luz da Lua, um momento em que poucos se aventuravam a sair, pois a floresta estava cheia de magia.
        Era a hora dos Guardiões.
        Lobo, como sempre, foi o primeiro a chegar, ainda sorrindo com as brincadeiras dos mais jovens filhotes de sua alcateia. A seguinte foi Lontra, de bigodes arrepiados, carregando um salmão fresco para oferecer aos amigos. Por fim, arrematando um longo voo no qual observara a floresta e todas as mudanças recentes, Corvo pousou sobre a relva da clareira, olhando com um jeito matreiro para os outros dois.
         -- Atrasado como sempre – admitiu, antes que dissessem alguma coisa. – Mas estive na aldeia da Gente-Que-Anda-de-Pé, e por tudo que vi posso afirmar: a menina está pronta. Ela não vai recusar um chamado para percorrer a Trilha Secreta.
         Lontra franziu o focinho, com ar de dúvida. A menina era inteligente e tinha bom coração, mas sempre lhe parecera fechada demais em si mesma. Lobo, porém, estufou o peito para afirmar que também a observara de perto e sabia que ela ia fazer as escolhas certas.
         -- Ela tem muitas lições a aprender, é claro – disse ele. – Tem obstáculos a superar. Mas estou certo de que é capaz. Não acha, Corvo?
          -- Hã? – O Guardião alado ergueu o bico, que tinha mergulhado sem cerimônia no salmão.
          -- Não importa. É quase dia, e em breve chegará a Hora do Aventureiro, por isso não há tempo a perder. Vamos chamá-la?
          Lontra hesitou, mas se deixou convencer ao menos por enquanto. Corvo engoliu o pedaço de peixe que tinha na boca e voou até um galho de teixo, de onde soltou um grito forte, dirigido a alguém de seu próprio povo nas árvores além da clareira. Pouco depois, uma gralha surgiu em meio à luz da madrugada e pousou ao seu lado, inclinando a cabeça em sinal de respeito.
           -- Voe, minha amiga, à aldeia dos Que-Andam-Em-Pé, e acorde uma menina humana – disse o Guardião, em tom decidido. – Quer dizer, quase humana, mas falando assim você não terá como errar. Ela é a única. E está pronta para uma grande aventura!
           Entusiasmada e orgulhosa com seu papel de mensageira, a gralha fez que sim e partiu. Corvo a acompanhou por alguns momentos, depois voltou ao solo, onde se reuniu aos outros dois. Juntos, eles cantaram para conferir suas bênçãos à menina, desejando que ela fosse humilde e corajosa, que se colocasse no lugar dos outros, mas não abrisse mão de ser quem era; que ela enfrentasse os desafios sem se perder em meio à Trilha Secreta, mas, se isso acontecesse, que soubesse usar a mente e o coração para encontrar um novo caminho.
           Cantaram, assim, por um longo tempo, até que a noite se foi e deu lugar a um belo dia de primavera.
          E tão concentrados estavam que nem perceberam, no oco de um velho e rugoso carvalho, o faiscar dos olhos de alguém que tinha ouvido tudo.

2 comentários:

  1. Já me remete aos cenários do Trilha, os diálogos... A aranha... A teia... A coruja... Uma teia de histórias. Uma nostalgia, lembrando só aconchego e das competições de natação com as Lontras... *-*-*-* Vou até folhear meu Trilha AUTOGRAFADO, só pra matar a saudade.

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    1. Como sabe, nova (e longa) história de Athelgard não tarda. Mas teremos outras da tribo, com certeza!

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