quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Castelo das Águias: prólogo do livro 1

     

      Elfos e homens dizem que os bardos têm sorte.
     Sempre pensei que isso incluísse os mestres de sagas, mas agora tudo levava a crer que não. Meus amigos estavam longe, cada qual entregue à sua própria batalha; meu arco se encontrava fora de alcance. Quanto a mim, o que podia ser pior do que estar à mercê do inimigo?
     Movimentei os músculos doloridos de minhas pernas. O encanto que me deixara sem ação tinha perdido o efeito, mas eu duvidava que pudesse correr. De qualquer forma, seria uma presa fácil para as águias.
    As três continuavam pousadas sobre as rochas, acima de minha cabeça. A transformação as convertera em criaturas monstruosas, com penas como lâminas de metal e garras retorcidas que se cravavam às pedras. Nem por sonho se pareciam com as aves que eu conhecera no Castelo. Mesmo assim, eu sabia que bem no fundo ainda eram as nossas águias douradas, por isso acalentava a esperança de passar por elas sem que me atacassem. Se eu avançasse, com cuidado, um passo por vez...
     Um grito soou acima de mim, fazendo minha espinha gelar. Encolhi-me, apavorada, quando uma ave se inclinou em minha direção. Seus olhos reluziam como fogo, e o bico era uma lança de osso, pontiaguda e letal.
     — Isto, minha cara, foi um aviso. – A voz suave, odiosa, do meu captor. – Sei o que está pensando e recomendo que não faça. Não seria bom para a sua saúde.
     Encarei-o, medo e ódio como um nó crescendo dentro do peito. Ele estava de pé, as bordas do manto elegante esvoaçando ao vento, o bastão de poder numa das mãos enquanto a outra repousava sobre o ombro de Lara. Seu cúmplice caminhava de um lado para o outro, os olhos apertados tentando ver na escuridão da floresta.
     — Está demorando – reclamou. – Quando virão? Não temos a noite inteira.
    — Logo – prometeu o outro. – Assim que se livrarem daqueles garotos estúpidos. E, é claro, se depois quiserem um pouco de carne fresca, não há por que impedi-las.
     Sorriu, antecipando o horror em minha expressão, mas dessa vez não lhe dei o prazer. De onde eu vinha, as pessoas que morriam eram deixadas ao relento, num lugar sagrado, e sua carne era comida pelos lobos e outros animais da floresta. Aquela insinuação não acrescentava nada aos meus receios. O que eu temia era o que vinha antes: a dilaceração, a morte lenta sob as garras e bicos impiedosos. Nesse exato momento, isso podia estar acontecendo a meus amigos. Talvez até a ele, se de repente se visse sozinho diante daqueles seres de pesadelo. Era um pensamento horrível, e tentei afastá-lo antes que meu captor o percebesse.
      Só que ele foi mais rápido.
     — Quem diria! A pequena selvagem, temendo por seu amado – disse, torcendo a boca. – Espero que tenham tido uma boa noite de despedida. Você não vai vê-lo de novo.
     — Eu vou vê-lo acabar com você – repliquei, entre dentes. Ele fechou a cara, afrontado, depois ergueu o bastão de poder e o girou entre os dedos. Na mesma hora, uma força invisível me agarrou com violência pela cintura, fazendo-me rodopiar sobre mim mesma antes de me arremessar de costas no chão.
      — Não me provoque, ou as águias vão ter seu banquete mais cedo – avisou o mago. Seu rosto era uma máscara de frieza e crueldade. Fechei os olhos para afastar sua imagem de minha mente, mas tive que abri-los ao ouvir um gemido de Lara. Ele aproximara os lábios de seu ouvido e estava sussurrando, fazendo-a se contorcer em agonia. Odiei-me por não ser capaz de ajudá-la. Felizmente, aquilo durou pouco: apenas alguns momentos antes que o grito rouco e distorcido de uma das criaturas cortasse o céu. Parecia mais próximo, e os cúmplices trocaram um olhar de triunfo. Em pouco tempo, um exército de monstros estaria ali.
     Respirei fundo, procurando um fio de esperança ao qual me agarrar, mas os gritos se repetiram, ferindo meus ouvidos e ecoando dentro de minha cabeça No fim, só consegui me encolher, antecipando para qualquer momento o ataque das garras, enquanto em minha mente duas perguntas giravam feito um redemoinho. Como eu tinha ido parar ali?
       E, em nome do Grande Espírito - como aquilo ia acabar?

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