segunda-feira, 1 de abril de 2013

Diários da Reescrita 1. O Pássaro e o Piloto



Pessoas Queridas,

Muitas vezes comentei que estava reescrevendo o livro 2 da série iniciada com O Castelo das Águias. É um longo processo, no qual procuro usar o que aprendi nos últimos tempos para tornar a narrativa mais fluida, a trama mais consistente e os personagens mais interessantes.

Desde que comecei venho fazendo reflexões, algumas das quais compartilhadas com amigos, especialmente o Eduardo Kasse (que aliás vem publicando muitos textos legais sobre a arte de escrever). Agora, surgiu a vontade de falar disso também com vocês, e como há vários temas específicos resolvi dividi-los em quatro ou cinco posts. Espero que cada um deles possa ser o início de um diálogo envolvendo leitores e escritores.

Para começar, quero falar do ato de reescrever, propriamente dito, e do quanto o venho achando diferente do processo de escrever uma primeira versão. Não sei se a metáfora é feliz,mas eu comparo os dois ao ato de voar, só que por meios e em circunstâncias diferentes.

Explico. Embora a escrita exija um tempo de maturação - pesquisa, planejamento, um roteiro e tudo mais - o texto em si vai sendo construído passo a passo, vai abrindo a própria trilha e encontrando seu caminho. Você pode criar o que quiser, improvisar à vontade. Claro que aí já vai alguma técnica, mas é bom, até recomendável que você se deixe levar pela imaginação, pela emoção, até pelos sentidos quando estiver escrevendo. Alguns trechos de escrita que saírem daí soarão terríveis quando forem relidos - ridículos, melosos, inverossímeis - mas outros serão aqueles que vão definir a alma do seu trabalho, dar vida às suas palavras e fazer com que tenham sentido.

Em suma, ao escrever você tem que usar o instinto, e é por isso que eu comparo esse processo ao voo de um pássaro, que conta apenas com suas asas e com a técnica adquirida ao aperfeiçoar uma habilidade inata. Como um pássaro, um dia o escritor iniciante salta do ninho e faz seu primeiro voo imperfeito, para mais tarda adquirir confiança. Tempos depois, ele voa com mestria, aproveita as correntes de vento e aprende a planar como uma águia dourada - ainda que dentro dele sempre exista o jovem pássaro, ávido por voos incríveis em céus ainda desconhecidos.

E a reescrita? Para mim, ela também se compara ao ato de voar, só que dessa vez você não é um pássaro. É um piloto no controle de um avião pequeno e instável, como o do Barão Vermelho (ou um dirigível, ou ainda uma espaçonave solitária). Seja como for, você também precisa usar sua experiência e uma boa dose de coragem para chegar onde quer; mas nesse caso há uma rota determinada e uma série de procedimentos a observar. É preciso checar o combustível, o radar, ter um bom plano de voo e não perder o contato com a terra; de tempos em tempos pode ser necessário recalcular o trajeto e tomar decisões, não apenas com base no instinto, mas com calma e raciocínio.

O arabesco que o pássaro traçou no céu pode confundir o voo do piloto, e é preciso visão para encontrar o melhor caminho. Por outro lado, a atenção aos instrumentos, ao roteiro e ao destino final não devem nos privar do prazer do voo nem permitir que ignoremos a beleza da paisagem. Porque, assim como na águia ainda vive o jovem pássaro apenas emplumado, todo piloto foi um dia uma criança que sonhava em conquistar o céu e cruzar fronteiras. É nesse ponto que a escrita e a reescrita voltam a se assemelhar.

Essa é a minha visão. E vocês, como encaram esses dois processos? São a mesma coisa? Ou muito diferentes?

Em suas mãos, o Bastão da Palavra.

6 comentários:

  1. Oi Ana!

    Parabéns pelo post.

    Para mim, sinteticamente, escrever é paixão, criatividade e inspiração - com doses de técnica - transcritas no papel. Quando tenho uma ideia, costumo digitá-la fluidamente.

    Reescrever: aí sim me preocupo com o formato, vejo se não cometi nenhum furo narrativo, ajusto as frases para uma melhor percepção do que eu quero passar.

    Enfim, são duas etapas muito importantes, que são apenas "sutilmente" diferentes.

    Até mais!

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  2. Oi, Ana.

    Como sempre é uma satisfação ler suas reflexões e ver como você madurece em relação ao seu trabalho. É muito bonito ver isso acontecendo, principalmente no meu caso, que acompanho seu trabalho (e tenho a graça e a honra de partilhar de sua amizade) há vários anos.

    Como você sabe, estou com um livro em andamento. É meu primeiro romance, e também é o escrito mais longo em prosa que já fiz -- os anteriores nunca deixaram de ser malogrados projetos e cadernos mais e menos acabados.

    E, em paralelo, escrevo minha dissertação de mestrado sobre a Idade Média italiana.

    Portanto, não trata-se de reescrita, mas de escrita pura e simples, só que em duas modalidades distintas. Numa tenho toda a liberdade, o que é variável, pois todo texto de ficção requer muita pesquisa, muita técnica e muito cuidado em termos de verossimilhança. Já para a dissertação, há muito estudo, muito embasamento teórico, e os voos, que até existem mais do que o recomendado, são bastante limitados pelos cânones acadêmicos.

    De qualquer maneira, ambos me são enriquecedores, pois nascem de uma paixão.

    Tenho tido diversos momentos de dúvidas acerca do fazer literário nesse processo de escrita (e também reescrita) do livro, muitas, senão todas, partilhadas com você, Ana.

    Para concluir, você acaba sendo uma fonte de inspiração, pois a paixão e o comprometimento que tem pelo seu trabalho só pode mesmo dar no que tem dado: em excelentes textos, em lindos livros em ótimos contos.

    Beijos,
    Vânia

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  3. Oi, Ana,

    Escrita e reescrita de completam no fazer literatura, andam juntas, coexistem... Não imagino um processo sem o outro. Reescrever pra mim chega até ser algo viciante, tenho de tomar cuidado com isso, do contrário, não saio do lugar...hehe

    Laísa Couto.
    confissoesdesajustadas.blogspot.com

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Ana, eu não concordo com as metáforas. Eu penso o seguinte... O escritor está mais para diversos tipos de aves que podem ser ratitas (as que não voam) e as carinatas (as que voam). Todo o processo da escrita do livro é uma evolução desse voo.
    Quanto a comparação com o piloto eu penso que se o escritor for um grande pássaro por que diabos vai querer ser um piloto limitado a uma aeronave? Não, Ana. Os pilotos são os críticos. E o Barão Vermelho é o grande crítico. Acho que o nosso amigo Saint-Clair estaria para um piloto do tipo Georges Guuynemer, pela sua admiração aos franceses. heheeh! Os críticos caçam as aves com seus aviões de guerra...

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  6. A primeira escrita é delírio puro, e eu deixo fluir, mesmo sabendo das incoerências. O reescrever, que eu chamo de "funilaria", isso já é bem mais técnico, requer atenção, adequação ao que foi escrito e ao que se quis dizer. É a fase complicada, mas fundamental.

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