segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Horizonte : conto de Júlio Soares (parte 2)



– Ei, ei! Calma! Não precisa se encrespar – disse, surgindo do meio das árvores, um homem enorme. Tinha cabelos louros compridos e lisos, o rosto quadrado era coberto por uma barba rala e seus olhos claros irradiavam travessura. O corpo incrivelmente forte estava coberto por uma malha de ferro e tinha uma espada presa à cintura.
– Quem é você e o que faz aqui? – Vergena estava impassível. Tinha a impressão de ter visto aquele homem antes, mas manteve a guarda.
– Eu sou Doron de Scyllix, amigo de Kieran. Estive em Vrindavahn ano passado como representante do Exército, na questão das águias.
– Amigo de Hillias.
– Sim, já fui amigo de Hillias. Mas ele endoideceu, e eu tive de manter minha postura acima disso. Hillias errou em muitas coisas, mas não em te convidar para ser Mestra das Águias. Vi o que fez na torre aquele dia, o rato molhado te ensinou bem.
– E o que faz aqui? As florestas não são caminhos comuns.
– Não, não são não. E, mesmo assim, aqui está você. Gosta de animais, pequena maga?
– Caminhos comuns são tediosos e fáceis demais.
– Eu vi, e, por isso – fez uma tentativa de expressão perversa que resultou numa careta feia – eu resolvi te seguir. A vi em Caer Fair, e, sabendo que iria até Scyllix, resolvi manter os olhos em você. Agora estou aqui.
– E o que fazia no vilarejo?
– Você é muito chata, sabia? Bom, devo confessar... – fez uma pausa, levando a mão a cintura – que eu buscava... isto! – Mostrou uma garrafa escura. – Eis o melhor vinho de toda Athelgard, produzido por uma família de vinicultores muito antiga, isolada no pequeno vilarejo de Caer Fair. Apenas poucos sabem da existência dessa magnífica bebida no mundo, então mantenha-a em segredo.
A elfa ficou embasbacada, totalmente sem reação. Seus braços caíram, e ela fitou o outro com olhar surpreso.
– Você viajou tanto, chegando a cruzar uma floresta inteira, por uma garrafa de vinho?
– É. – Doron sorriu de orelha a orelha.
Por um momento, ela pensou em rir, mas não o fez. Ainda estava chocada.
– Que seja. Agora você pode seguir seu caminho. Não desejo a sua companhia.
– Eu estava certo sobre você ir até Scyllix, né?
– Sim, estava.
– Então temos o mesmo destino. Por onde você vai?
– Estou seguindo até Mestyen.
– Ah, Mestyen! Aquela cidade maravilhosa, cheia de seus bares e mulheres bonitas, jovens moças que sabem o que querem e não têm medo de viver.  – Doron balançava os enormes braços de forma a tentar ser delicado e romântico. – Eu vou com você. Nada melhor que viajar acompanhado, não?
– Não, você não vai. Gosto de viajar sozinha.
– Então eu vou seguir para Mestyen pelo mesmo caminho. Igual a você, acho estradas chatas, a não ser quando existem distrações entre elas.
– Que seja.
Seguiram o mesmo caminho por dias, em completo silêncio. Doron tentava conversar, mas o máximo que Vergena fazia era dar poucas respostas monossilábicas. Chegou um momento em que ela notou que seu silêncio não o cansaria, então desistiu de se incomodar.
– Você sabe que eu posso estar te seguindo apenas para reportar ao conselho de guerra de Scyllix a sua personalidade, para avaliar se você seria uma boa Mestra das Águias ou não, né? – Doron argumentou certa vez.
Vergena estacou. Nunca havia pensado na hipótese. Doron detinha uma posição de certa importância no exército, ele devia ter alguma influência no conselho de guerra. E, visto que Vergena havia sido convidada por Hillias, poderiam ter mandado alguém para segui-la.
O guerreiro começou a rir desesperadamente, chegando a se ajoelhar. – Você viu a sua cara? Era de doer! É claro que não sou nenhum tipo de espião.
Vergena queria matá-lo.
– Mas, falando sério, Vergena, Kieran falou qual seriam suas atribuições em Scyllix?
– Não, na realidade.
– Pois bem, então me deixe contar a história. As águias só são necessárias enquanto houver guerra, certo? Enquanto não houver guerra, não haverá águias, e, sem as águias, não precisaremos de uma mestra para elas.
Aquilo assustou a elfa.
– O que isso significa?
– Nada demais. Apenas dizendo que você não entrará em Scyllix como uma Mestra das Águias logo de cara. Mas fica tranquila, eles vão te pôr num cargo legal até que haja uma guerra – visto que você recebeu o poder sobre as águias. Sem guerra, imagino que você cuidará das defesas mágicas das torres, ou algo do tipo.
A informação era um pouco assustadora para Vergena, mas ela não se deixou abalar.
– Que assim seja, então. Scyllix é meu destino, e serei grande lá, seja cuidando das águias, seja da proteção da cidade.
– É assim que eu gosto. Espere! Aquela coruja é um pouco estranha, não acha?
Apontou para uma árvore. Vergena viu que o animal era realmente estranho. Nunca vira uma coruja tão branca e com aspecto tão assustador. Lançou uma pedra em direção a um galho, para assustar o animal, sua presença não agradava à maga.
– Vamos dormir, já está escurecendo – disse ao guerreiro, que logo concordou.
.....
(Continua...)

Um comentário:

  1. GAAAAAH, Doron, GAAAAAAH!!!!!

    Estou curtindo muito o conto. Essa dupla improvável combinou, não? Puxa, o desenho também ficou lindo demais.

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