domingo, 26 de março de 2017

Além de Agora : um conto de Cyprien de Pwilrie (Parte 6)




Fosse por sua própria vontade ou pela insistência geral, Tina finalmente decidiu me fazer um pouco mais de companhia. Juntos, fomos até a porta para nos despedir dos outros, e ali ficamos mais alguns momentos, olhando, ora para Nayla e Cassius, que subiam com uma lâmpada, ora para Aymon e Thierry, que seguiam em direção às luzes da Cidade Baixa. Nem bem tinham voltado as costas e já estavam rindo, esquecendo-se da preocupação que deveriam demonstrar por Olivier. Imaginei a reação de Nayla se viesse a descobrir a trama. Ela havia jurado que não perdoaria mais nenhuma mentira de Thierry.
-- Você faria isso comigo? -- perguntou Tina, inesperadamente, fazendo-me estremecer. Olhei-a, um tanto incerto quanto a haver compreendido, mas a franqueza em sua expressão acabou com todas as dúvidas. Ela percebera muito bem o que havia acontecido.
-- Não, amor. -- Suavemente, puxei-a para mim, ao mesmo tempo em que fechava a porta. -- Eu não sou perfeito, é claro, mas não enganaria você dessa maneira. Agora mesmo estava pensando no que Nayla faria se descobrisse tudo. Você sabe, ela disse que...
-- Ah! Então, seria esse o motivo para não me enganar? Você mentiria, se soubesse que eu não ia descobrir?
-- Oh, não! Não é nada disso! -- protestei, sentindo-me ao mesmo tempo estúpido e irritado. Tina me olhava sorrindo, mas com um certo ar de vitória. Era como se, havendo me apanhado em falta, condescendesse em me perdoar. Naquele momento, acho que não teria me importado se ela fosse embora.
-- Não tenho nenhuma razão para mentir -- resmunguei, por fim. -- Se eu quisesse sair, sairia, não me daria ao trabalho de inventar desculpas. Mas acontece que eu não queria encontrar ninguém além da minha namorada.
-- Que sou eu -- disse Tina, suavemente.
-- Sim, que é você -- concordei, sentindo minhas defesas caírem por terra. Tina lançou os braços sobre os meus ombros, olhou-me nos olhos, sorrindo, dessa vez, com menos segurança. Ela também não sabia por onde começar.
-- Cyprien -- disse, quase num sussurro.
-- Tina -- murmurei, e como não me ocorressem mais palavras acabei por beijá-la. Não foi um beijo muito longo, mas foi dos bons, e outros se sucederam sem intervalo, enquanto, pouco a pouco, nossas mãos adivinhavam os contornos do corpo do outro. Ainda não era nada de mais -- nada que já não tivéssemos feito, é verdade que em raros momentos, ocultos pelos becos do Labirinto -- mas sabíamos que desta vez podíamos ir em frente, e essa simples ideia fazia crescer em nós tanto o medo quanto o desejo.
Bem devagar, com as pernas e as mãos tremendo, fui conduzindo Tina para as almofadas, e reclinei-me sobre ela enquanto nos beijávamos. Dali ao inexplorado, era apenas uma questão de instantes. Ao se dar conta disso, o corpo dela estremeceu entre meus braços, e eu a beijei com mais vontade ainda, desejando, com toda força, que ela confiasse em mim e conseguisse vencer o medo. Talvez assim eu fosse capaz de agir com segurança.
-- Não fique assustada -- sussurrei, junto ao seu ouvido. – Não vou fazer nada que você não queira. E você também não precisa fazer nada... Se não tiver vontade -- acrescentei, o mais rápido que pude.
-- Eu sei. E foi muito bom você ter falado, mas acho que podemos ir em frente. Eu estou tranquila. Pelo menos até agora.
Sorriu, tentando me fazer crer que dissera a verdade, ou talvez procurando convencer a si mesma. Àquela altura, eu já me livrara das sandálias e da camisa, entrelaçara-me no corpo de Tina, envolto num monte de saias que iam subindo cada vez mais.
E foi então que a senti hesitar.
-- Cyprien -- disse, os olhos inquietos. -- Você ouviu esse barulho?
-- Barulho? Qual? -- fiz eu, e ergui a cabeça, tentando apurar o ouvido. Tudo que escutei foi o vento soprando de leve através da janela.
-- É a brisa da noite -- concluí. -- Nada mais.
-- Não, não, havia mais, sim. Alguém falou... Escute!
-- Oh, Alfonz! -- soou então, claramente, a voz de Mandol. Tina e eu nos entreolhamos, depois sorrimos, eu meio sem graça, como se devesse ter previsto a interrupção. O que mais poderia esperar, com aqueles vizinhos?
-- Quer que eu feche a porta?
-- Não, está bem assim. Está fazendo tanto calor! Seu cabelo está todo molhado.
-- Eu sei. Foi por isso que tirei a camisa. E se quiser fazer o mesmo...
-- Oh, não -- murmurou Tina, abafando um riso nervoso. -- Quer dizer, sim, mas espere um momento. Vá com calma. Deixe eu ficar um pouquinho só abraçada com você.
-- O tempo que quiser - disse eu, tomando-a nos braços. Mais uma vez, o vento trouxe os sons da casa vizinha, embora não fosse mais a voz de Mandol e sim uns ruídos estranhos que procurei ignorar. Suave, o corpo de Tina se moveu ao meu encontro, peito contra peito, ventre contra ventre, curvas e ângulos se encaixando uns aos outros em harmonia. Respirando com força, beijei-a, e estava para desatar os últimos laços quando escutei o grito:

-- CYPRIEN!
*****
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