terça-feira, 23 de maio de 2017

Além de Agora : um conto de Cyprien de Pwilrie (Parte 15)



-- Vá, Nayla, resolva isso logo, por favor -- pediu Aymon, agoniado. -- Ninguém vai ter uma ideia melhor que a de Cyprien.
-- E quem falou contra a ideia? De jeito nenhum - retrucou a moça. -- Eu só acho que o fingimento resolve tudo muito bem. E se Tina não pensa assim -- acrescentou, olhando-a de soslaio --, não há problema, pois eu me disponho a ficar. Só não quero que seja com Thierry.
-- Essa é boa! -- exclamou o músico, mas seu riso soou meio forçado. -- Então, comigo você não quer nada, mas não se importa em ficar se agarrando com um deles? Mas que piada!
-- Piada por quê? - retrucou Tina, saindo em defesa da amiga. -- Você não achou tão normal que eu ficasse com outro enquanto Cyprien descia?
-- Sim, mas... mas é só porque ele tem que descer! - argumentou Thierry, não sem a sua dose de razão. -- Se outra pessoa levasse a poção para o velho, você ficaria com Cyprien; mas, se é Nayla que vai ficar, é claro que só pode ser comigo. Isso é evidente!
-- Evidente? Ah! Já foi o tempo, meu amigo -- fez Nayla, estalando os dedos. -- Por quase dois anos, eu esperei que você se emendasse, mas ontem foi realmente a gota d’água. Ficar com você, eu? Nem agora nem nunca mais!
-- E comigo?
A voz veio de dentro da sombra, quase num sussurro, inesperada e hesitante como o próprio Cassius. Pegos de surpresa, nenhum de nós soube o que dizer, nem mesmo Thierry ou Nayla; e então, depois de respirar fundo e ganhar coragem, o tecelão avançou para tocar o ombro da dançarina.
-- Fique comigo -- disse ele, sem olhar para Thierry. -- Você sabe muito bem quem eu sou. Eu não faria nada que pudesse...
-- Ei, espere aí! O que está pensando? Ela não vai ficar com você! -- reagiu finalmente o músico. -- Sei que somos amigos, mas... Diabos! Isso não tem graça! Nayla, você não pode me trocar por esse camarada!
-- Não estou trocando você por ninguém -- foi a resposta seca. -- Eu disse que ficaria no sobrado, para tomar parte no plano, desde que fosse com um dos outros; e já que Cassius se ofereceu, nosso problema está resolvido. E agora -- acrescentou, voltando-se para mim --, que tal se vocês fossem lá para baixo de uma vez? O carrasco não vai esperar que Thierry engula os seus ciúmes.
-- Ela tem razão -- disse Tina, com um sobressalto. -- Cyprien, nós temos que descer, com ou sem os outros.
-- E precisamos deles -- disse eu, olhando para Thierry. -- Você vem ou não?
-- Eu vou -- adiantou-se Aymon.
Seguido por Tina, ele começou a descer as escadas, enquanto Thierry, com ar desconcertado, olhava ora para Nayla e Cassius, ora para mim.
-- Então vocês... Vocês vão ficar aqui -- disse ele, por fim, respirando fundo. - Vão esperar a “Canção da Lua” e tudo mais.
-- Vamos, Thierry -- disse Cassius, com simplicidade.
-- Vá de uma vez -- disse Nayla, em tom ríspido. -- Cyprien precisa de ajuda. E aquele pobre velho também.
-- Está certo, então. -- Sorriu, forçando-se a parecer despreocupado. -- Eu vou lá para baixo, fazer minha parte; e mais tarde, quando o velho estiver a salvo, nós voltamos a conversar. E enquanto isso... comporte-se, ouviu, garota?
Passando de leve os dedos pelo seu rosto -- um gesto rápido demais para que ela recuasse --, Thierry deu meia-volta e desceu, assoviando uma de suas músicas mais alegres. Nayla o acompanhou com um olhar de espanto, voltou-se para Cassius, que encolheu os ombros, sorrindo timidamente para ela. Imaginei os dois, dali a alguns momentos, abraçando-se diante do foco de luz. Não era preciso nenhum esforço para vê-los juntos.
-- Cyprien! - chamou Tina, lá de baixo, com voz aflita. -- Você não vem? Já mal se pode andar aqui na praça!
-- Estou indo -- respondi, minha atenção voltando ao que era mais importante. -- Bom, pessoal, tenho que descer. Fiquem atentos ao sinal, principalmente se o ouvirem pela segunda vez. Não é provável, mas pode acontecer que os guardas venham até aqui em cima.
-- Estaremos atentos -- disse Cassius.
-- Cuide-se -- pediu Nayla, e esperou até que eu estivesse na escada para acrescentar:
-- Não deixe Thierry fazer nenhuma asneira.
Isso ia ser difícil, pois cada um estaria por sua conta, mas não seria eu a explicá-lo para Nayla. De qualquer forma, eu não acreditava que Thierry se metesse em nenhuma encrenca, por mais que aquela história o tivesse perturbado. Não era do seu feitio correr riscos desnecessários. Além disso, se eu bem o conhecia, ele ainda não se convencera de que Nayla falara a sério, e queria estar vivo e bem solto quando ela o procurasse. Ele era o único a não haver compreendido que as coisas seriam diferentes desta vez.
-- Cyprien! Finalmente! -- exclamou Tina, mal me viu cruzar a porta. -- Aymon e Thierry já foram falar com os conhecidos. Foi cada um para um lado, porque achamos que assim seria melhor, e eu decidi ficar e esperar você. Para onde devo ir? Há alguém, em especial, que você queira que eu procure?
-- Bem lembrado, Tina. Há sim. Olhe, Pippo e Sanson estavam juntos, ao lado de uma carroça enfeitada com fitas vermelhas. Veja se consegue mandá-los para perto do sobrado, pelo menos Pippo, já que é preciso que alguém toque a “Canção da Lua”. Diga a ele para fazer isso quando começar o discurso do Prefeito. Se você não o encontrar, procure Olivier, ou um outro qualquer, não importa. Basta que um músico esteja a postos na hora certa.
-- Está bem. E depois disso?
-- Depois -- bom, depois você fala com todos que encontrar, desde que confie neles. Não precisa explicar tudo, é claro. Diga só que é um plano meu para ajudar o velho. E eu vou fazer a mesma coisa, falar com quem puder... Enquanto estiver indo para o patíbulo.
Um arrepio percorreu-me as costas ao dizer essas palavras. Se as coisas não corressem bem hoje, seria eu, dentro de algum tempo, a ser levado de verdade para o patíbulo, e não haveria outro Cyprien para me ajudar. Rowenna não daria a poção a alguém capaz de suportar o castigo. Eu não podia me esquecer de que era o único a me arriscar naquela aventura.
-- Cyprien. -- Era a voz de Tina, inquieta e doce junto a meus ouvidos. -- Cyprien, acho melhor nós irmos. Há tanta gente com quem podemos falar, e... Oh, amor! Desculpe-me por ontem -- acrescentou, abraçando-me com força. -- Eu devia ter percebido que você só estava irritado, e não ficar insistindo em que fosse ver Rowenna. Eu sabia que você iria. Sabia que não ia me decepcionar.
-- Mas eu ainda posso, Tina. Quer dizer -- expliquei, sentindo-a estremecer em meus braços --, não pretendo desistir, mas pode ser que o plano não dê certo. E se não der, não sei se vou poder chegar até o Édobec. Você compreende?
-- Sim, mas pelo menos vai tentar -- disse Tina, muito séria. Sem ter mais argumentos, assenti, e ela me abraçou de novo e me desejou toda a sorte do mundo. Era assim, com certeza, que gostaria de ter abraçado seu pai dezessete anos antes.
-- Cuide-se -- pediu, e eu a beijei, para ter uma lembrança que fosse só minha. Então, Tina se voltou para abrir caminho na multidão, enquanto eu olhava em torno, procurando alguém a quem pudesse pedir ajuda. Não havia nenhum conhecido ao alcance dos meus olhos. 

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Parte 1
Parte 14
Parte 16



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