quarta-feira, 18 de março de 2020

Um Artista no Castelo (Parte 11)

-- Nem pense em lançar um encanto, em me dominar com sua Magia – tornou ele, pronunciando bem cada sílaba; Finn se viu tão perplexo que não pôde retrucar, e Cyprien se voltou para encarar os outros. – Quanto a vocês, não se preocupem mais: sua armadilha deu certo, irei embora do Castelo e da sua preciosa cidade. Só não encostem em mim. E isso inclui você e seus amigos – acrescentou, com o que Elina também baixou a mão que pretendia pousar em seu braço.



-- Mas, Cyprien, você não entendeu! Ninguém quer dominá-lo, era só... –Donovan começou a dizer, mas se calou ao ver que o outro lhe dava as costas. Theoddor esperou que Ruaridh tentasse detê-lo, ou algum dos outros, mas em vez disso se afastaram para lhe dar passagem, resmungando entre si e coçando os cotovelos enquanto ele marchava a passos largos para longe da ala. Por que isso me surpreende?, pensou, com desalento. Expulsá-lo, mandar embora a escória de Pwilrie -- era o que todos queriam desde o início.
-- Mestre Theoddor, faça alguma coisa! – pediu Marla, aflita. – Ele não pode ir embora desse jeito!
-- Melhor que vá, menina – disse Ranald. – É um ladrão e mentiroso.
-- Ninguém provou nada disso! Por favor, Mestre – insistiu a garota. – E o senhor também, Mestre Finn, explique o que ia fazer, que isso era para ajudá-lo...
-- Ele não entenderia – disse Theoddor. – Não neste momento. E nem sei se iria adiantar... se Finn ou Elina afirmassem que Cyprien falou a verdade – acrescentou, respirando fundo enquanto seus olhos relanceavam pelos rostos dos homens.
-- Mas nem vai falar com ele, Mestre? Tudo vai ficar por isso mesmo? – perguntou Donovan.
-- Ainda não sei o que vou fazer. Mas sim, pretendo falar com Cyprien. Assim que os ânimos esfriarem um pouco.
-- Tem de ser logo, antes que ele deixe Vrindavahn. Foi o que entendi que ia fazer – lembrou o rapaz, e sua boca se torceu sob o nariz arrebitado. – E ele deveria ficar até a peça do solstício.
-- Sim! Foi um compromisso que assumiu conosco – afirmou Elina, erguendo a cabeça. – E além de nós, do Segundo e Terceiro Círculos, tem também as crianças. Como elas vão se sentir, se ele for embora sem dizer adeus?
-- As crianças! Você me deu uma boa ideia – disse Finn, estalando os dedos. – Quer dizer, uma ideia para sugerir a Theoddor, se ele gostar. Venham, vamos voltar ao Castelo – acrescentou, com um gesto que incluía o amigo e os aprendizes. – De qualquer forma, está quase na hora do jantar.
-- Sim! O dia já acabou. Podem recolher as ferramentas – disse Theoddor aos artesãos, e se conteve para não acrescentar: e esses malditos sorrisos satisfeitos. Os homens se dispersaram, e ele seguiu até o refeitório ao lado de Finn, cuja sugestão, como o meio-elfo não tardou a explicar, consistia em levar alguns dos aprendizes mais novos quando fosse esclarecer as coisas com Cyprien.
-- Ele está com raiva e magoado, mas isso não tem a ver com as crianças, que o adoram e que ele sem dúvida adora – arrazoou o mago. – Talvez, se elas pedirem, ele permita que o ajudemos a provar que estava dizendo a verdade.
-- Não acho que ele concorde em passar por qualquer coisa que envolva Magia – replicou Theoddor --, e, como disse, não sei se isso iria ajudar muito. Vão continuar a hostilizá-lo de um jeito ou de outro. Mas podemos levar as crianças, para tentar mantê-lo aqui até o solstício. Ou pelo menos – acrescentou, com um suspiro – para que ele se despeça delas e aceite as nossas desculpas.
Finn concordou, a expressão grave. Também fizera algo de que se desculpar: a forma como se dirigira a Cyprien sem explicações, sem pedir permissão ou mesmo dirigir-lhe a palavra antes de quase vasculhar seus pensamentos. Não tinha sido por mal, as intenções de Finn eram sempre as melhores, mas fora uma atitude inconsequente, como várias vezes Theoddor já o vira tomar. Finn deveria trabalhar com um parceiro, pensou ele, vendo o rosto suave e contraído de seu amigo. Devia dividir suas práticas com Thalia, ou com um mestre de Magia do Pensamento tão firme quanto ela. Não pude ser um mago, mas estudei o bastante para saber que a Forma depende de uma vontade forte o bastante para ancorá-la.
Theoddor havia antecipado uma chegada sem alarde, mas as notícias voavam como águias naquele castelo: tão logo pisaram no salão principal, ele e Finn se viram cercados por aprendizes do Primeiro e do Segundo Círculo, perplexos e exaltados, perguntando se era verdade que Cyprien tinha decidido deixar a Escola.
-- Calma, crianças! Sim, ele disse isso, houve uma confusão com o pessoal que está trabalhando no anfiteatro – explicou Theoddor; pôs a mão no ombro de Linnet, a menorzinha, que balançava inquieta sobre os próprios pés, e prosseguiu em tom de confidência. – Ele saiu daqui muito ofendido, e com isso nem deve ter se lembrado de falar com vocês. Mas sei que gosta muito de todos, e por isso tive... Na verdade, foi Mestre Finn que teve essa ideia, mas acho que vai funcionar. Por que alguns de vocês não vêm comigo até Vrindavahn, e lá falamos com Cyprien e pedimos para ele voltar ao Castelo? Ao menos para a festa do solstício, quando irão encenar a peça. Acho que, se forem vocês a pedir, ele acaba aceitando. O que me dizem?
-- A gente vai! – afirmou um dos meninos, com o que os outros concordaram em coro. Alguns dentre eles, porém, se entreolharam com expressões culpadas, e o último relance de olhos foi para Linnet, que parecia – Theoddor percebeu, e ficou alerta – não apenas agitada, mas quase ao ponto de chorar.
-- Mestre, a gente não sabe muito bem o que houve – sussurrou ela, com aquela vozinha infantil. – Mas agora há pouco disseram que Cyprien foi chamado de ladrão... só por causa de umas tintas e lonas que estavam no galpão de trabalho. Isso é verdade?
-- Sim, Linnet, foi isso que aconteceu, mas ele disse que não pegou nada, e nós acreditamos – Theoddor tentou acalmá-la. – Devem ter posto as coisas fora do lugar. Não achamos que Cyprien tenha feito...
-- Não! Ele não roubou nada! – gritou a menina, e bateu com o pé no chão; Theoddor recuou, chocado, e o salão e todos dentro dele congelaram antes que Linnet retomasse a fala.
-- Cyprien não fez nada de errado, e temos que ir atrás dele agora mesmo. – Lágrimas escorriam por suas faces; ela se voltou para Brenan e os que estavam a seu lado, todos de cabeça baixa. – E eu nunca mais vou conseguir dormir... se a gente não trouxer ele de volta para o Castelo.
...

Imagem: Um centro de energia muito utilizado na Magia do Pensamento

Parte 1

Parte 10

Parte 12



Nenhum comentário:

Postar um comentário